Logo após o diagnóstico, e muitas vezes até após o início do tratamento receitado, mães de crianças autistas partem numa aventura pela “Terra da Medicina” atrás do neuropediatra ideal. É uma busca cansativa e que mexe com seus nervos. Adolescentes, antes de dormir, sonham com um príncipe encantado, mães de autistas recém-diagnosticados sonham com o neurologista encantado: ele chega num cavalo branco, vestido de branco (o médico, não o cavalo), desmonta, olha nos olhos de seu filho – que magicamente retribui o olhar – analisa, escuta, receita o tratamento, conversa sobre prognóstico, sorri, fala algo engraçado, entende os medos dessa mãe e passa o número de celular para emergências. Talvez uma fada neuropediatra? Uma mulher linda, carregando em suas mãos livros sobre o autismo, doce, gentil, conhecedora de todos os tratamentos, tão direta quanto delicada, atendendo num consultório encantado cheio de guloseimas gluten-free e esperança espalhada pelo ar.
Bom… Esse ser místico não existe de fato, mas nossas espectativas demonstram o quanto é importante termos médicos que confiamos ao nosso lado (neuropediatras, nutrólogos, clínicos gerais, pediatras, etc). Afinal, eles fazem parte da construção do futuro de nossos anjos azuis. Exitem médicos neuropediatras muito bons em Curitiba. Em meu trabalho (como advogada que trabalha em defesa de crianças com deficiência), tenho muito contato com pais e isso me fez descobrir que encontrar o neuropediatra ou a neuropediatra ideal é uma questão também de compatibilidade da família com o profissional. Vai além de capacitação (embora isso seja essencial), e perpassa quase, como posso dizer… É uma sensação. Você tem que sentir-se bem em conversar com o/a neuropediatra de seu filho, pois é uma troca de informações de extrema importância. É por isso que existe gente que ama médico “A” e gente que ama médico “B”. E outros ainda que amam médico “C”, acredita? Não importa! Escolha com consciência e sentimento, mas NÃO DEIXE DE LEVAR SEU FILHO COM TEA AO NEUROPEDIATRA! É muito importante esse acompanhamento.
Recentemente, percebi que ainda não tinha feito nenhuma entrevista no blog com um/a neuropediata. Ok! Erro meu! Leitores já tinham me pedido isso, mas eu simplesmente não tinha colocado em pauta ainda. Então, decidi realizar essa entrevista com um dos neuros de Curitiba a quem devoto um grande apreço: Paulo Liberalesso. Mas não é o fato de “gosto porque gosto, gosto porque sim, gosto porque aposto que você gosta de mim”. Não! Eu usei critérios objetivos para gostar dele (porque, sim, sou esquisita). Existem quatro pontos que considero mais relevantes: (1) seu conhecimento, (2) sua experiência, (3) o fato de ser doce com minha filha, (4) fazer eu me sentir à vontade na consulta. Não me orgulho em dizer que quando o conheci, fiquei contando mentalmente os segundos em que ele olhava para minha filha (porque, sim, sou neurótica). Parecem coisas simples, mas são muito importantes para mim quando se trata de acompanhamento da minha pequenina.
Por isso o escolhi para esta conversa. Paulo Liberalesso é médico do Departamento do Neurologia Infantil do Hospital Pequeno Príncipe. É pós-graduado em Neurofisiologia e Mestre em Neurociências. Também é Doutor em Distúrbios da Comunicação Humana. Ainda arranja tempo para ser Presidente do Departamento de Neurologia da Sociedade Paranaense de Neurologia e membro do Departamento Científico de Neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Eu, se fosse o Dr. Paulo, depois de ler este currículo, dava um beijinho no ombro para o recalque passar longe. Também compõe seu currículo o fato de ele achar as bochechas da minha filha fofas (embora isso componha o currículo de qualquer pessoa de bom senso!).
Na entrevista, não quis perguntar sobre sintomas do autismo, já que sempre falamos tanto disso. Queria trazer para vocês um pouco de pessoalidade, sobre tratamento, escola e a dificuldade de pais de crianças com TEA. Epero que gostem e espero cada vez mais trazer para vocês participações de médicos na construção de nosso espaço Diário de Autista.
PAULO LIBERALESSO: Hanna, desde o início da faculdade eu sempre soube que trabalharia com crianças. Talvez eu não soubesse exatamente qual especialidade seguiria. Mas eu sempre soube que estaria trabalhando com crianças.
No quarto ano da faculdade de medicina, eu comecei a entrar em contato com crianças com doenças neurológicas e, naquele momento, eu soube que faria isso pelo resto da minha vida.
Inicialmente eu me encantei pelo estudo das epilepsias na infância e depois me encantei pelo estudo do comportamento humano. E então, percebi que esta seria uma área em que eu poderia realmente ajudar pessoas, ajudar as crianças e suas famílias.
Ainda hoje, é comum que muitos amigos e colegas de profissão me perguntem como consigo ver beleza em uma especialidade tão dura como a neurologia infantil.
A verdade é que eu nunca vi tristeza nesta especialidade. Para ser sincero, me divirto praticamente todos os dias no consultório, nas escolas especiais em que trabalho ou mesmo no Hospital. Enfim, acho que meu humor sempre bateu com o humor das crianças.
Bom… foi assim que tudo começou.
HANNA: Qual o tratamento que o Sr. considera mais relevante para crianças autistas?
PAULO: Se você conversar com vários neurologistas infantis a respeito do tratamento do TEA, é bem possível que receba informações diferentes.
Contudo, a literatura é muito clara no sentido de que devem ser utilizados métodos comportamentais, ou seja, métodos que cientificamente sejam capazes de modular, de alterar o comportamento das crianças.
Classicamente, a terapia do TEA é realizada com uma modalidade de tratamento denominada ABA (análise do comportamento aplicada). Eu costumo solicitar que a ABA (cujo programa e planejamento devem ser realizados por psicólogos), seja associada à fonoaudiologia com métodos comportamentais. Geralmente, necessitamos também de terapia ocupacional para treinamento de atividades de vida diária.
Outras especialidades devem ser incluídas no tratamento dependendo da necessidade específica de cada paciente.
Um ponto fundamental que devemos ter em mente é que o tratamento do TEA TEM QUE SER INTENSIVO, ou seja, na grande maioria das vezes, são necessárias muitas horas de tratamento por semana para se atingir bons resultados.
Eu costumo comparar os tratamentos baseados em terapias com o uso de medicamentos: ou seja, se um adulto está com uma dor de cabeça de forte intensidade, ele não irá tomar duas gotas de dipirona, certo?
Portanto, com as terapias ocorre exatamente da mesma forma. Realizar uma ou duas sessões semanais de qualquer terapia para uma condição grave como o TEA geralmente não surtirá bons resultados clínicos.
HANNA: Autistas têm que, necessariamente, tomar medicamento?
PAULO: Não, absolutamente. O tratamento do TEA não é medicamentoso. Pelo contrário. Sabidamente não há medicamentos que sejam capazes de reverter os sinais e sintomas do autismo.
A indicação de medicamentos ocorre em casos específicos, por exemplo, quando há comportamento agressivo contra terceiros ou quando as crianças têm autoflagelação, ou seja, quando elas se machucam. Mas, mesmo nestes casos, deve-se inicialmente tentar uma abordagem comportamental através da ABA. E, em último caso, inicia-se tratamento com algum fármaco.
Veja bem: não estou dizendo que não devemos utilizar medicamentos para estas crianças. Em casos específicos, eles são fundamentais! Mas é preciso compreender que, quando o tratamento é bem realizado, com terapias adequadas e principalmente na INTENSIDADE correta, muitas crianças não necessitarão de medicamentos.
HANNA: Quanto o tratamento está vinculado ao prognóstico?
PAULO: O tratamento correto está TOTALMENTE vinculado ao prognóstico neurológico. Ou seja, quanto mais cedo e correto for o tratamento, maiores as chances da criança ter uma boa evolução.
Hoje em dia sabemos que algo em torno de 12% das crianças com TEA serão curadas, ou seja, se aproximarão tanto de comportamentos típicos, que torna-se impossível manter o diagnóstico.
Mas isso SOMENTE OCORRE quando o tratamento é realizado de forma precoce e correta.
HANNA: Quais são as principais dificuldades que pais de crianças autistas têm relatado?
PAULO: Bom… esta pergunta talvez seja a mais difícil de responder… porque as dificuldades são inúmeras e gigantescas em um país como o nosso.
Primeiramente, precisamos compreender que o TEA é uma doença potencialmente grave e que geralmente afeta não só a criança, mas toda a estrutura da família.
Evidentemente, há muitas exceções, mas as mães na maioria dos casos precisam assumir “as rédeas” do tratamento. São muitas horas de terapia por semana, as crianças precisam ser levadas até os locais de atendimento, há ainda a parte pedagógica que muitas vezes fica também por conta das mães… enfim, como eu disse, o TEA geralmente compromete a estrutura familiar, principalmente a materna.
Eu diria que o primeiro grande problema é conseguir um diagnóstico precoce do autismo. Idealmente, se as crianças fossem diagnosticadas até os dois anos, o tratamento poderia ser iniciado precocemente e as respostas seriam muito melhores. Mas isto não é nossa realidade aqui no Brasil.
O diagnóstico habitualmente é tardio e isso acaba retirando das crianças a possibilidade de uma boa evolução.
Bom, após o diagnóstico começa uma nova maratona… conseguir profissionais habilitados e capacitados para o tratamento destas crianças. Eles são poucos e geralmente não têm horários disponíveis para o atendimento de uma demanda crescente de pacientes com autismo.
A ABA necessita de uma formação específica. Ou seja, não basta um profissional “querer aplicar ABA”. Há excelentes cursos de pós-graduação em ABA no Brasil, mas a verdade é que poucos profissionais realmente atingem uma formação de excelência nesta área do conhecimento.
Como é cada vez mais comum na medicina, há inúmeras questões financeiras envolvidas, incluindo a relação com os planos de saúde. Muitas crianças chegam a realizar 20, 30 ou até 40 horas POR SEMANA de tratamento… e isto, evidentemente, tem um custo significativamente elevado.
HANNA: Com relação ao colégio, recentemente estive em uma entrevista com a Berenice Piana, na qual abordamos a questão de acompanhante especializado (tutor escolar). Sempre firmei o pé que não poderiam ser estagiários a exercer essa função. A autora da lei tem a mesma opinião. Mas, como neuropediatra, o que o Sr. acha?
PAULO: Em uma situação ideal, estes acompanhantes especializados deveriam ser orientados por um supervisor e deveriam aplicar métodos de modulação comportamental no ambiente escolar. Mas como sabemos, isso geralmente não ocorre.
HANNA: Me chamou muita atenção seu perfil diferente dos outros médicos. Sempre pareceu mais informal. Isso, em minha avaliação como mãe, nos ajuda muito a conseguirmos nos abrir e informar dúvidas. Essa informalidade, esse perfil mais “descolado”, foi uma escolha ou surgiu naturalmente? Discorra (risos).
PAULO: Eu sou assim… sou assim na minha vida privada e não vejo porque deva agir de outra forma na minha vida profissional.
Costumo dizer que os pacientes têm “a cara” dos seus médicos. Ou seja, quem quiser acompanhar comigo tem que se encaixar nesta minha forma de ser.
Houve um tempo, não muito remoto, em que os médicos ocupavam uma posição profissional e até mesmo social muito diferenciada… bom, isso realmente não tem mais cabimento hoje em dia.
Quando uma família procura um médico, sobretudo em casos de doenças neurológicas graves, como o autismo, ela está totalmente fragilizada. A última coisa que estas pessoas querem é encontrar um sujeito carrancudo e falando palavras incompreensíveis.
Dentro da medida do possível, porque muitas vezes isso realmente não é possível, tento fazer com que as pessoas saiam do meu consultório melhores do que entraram… se não mais felizes, pelo menos mais informadas.
HANNA: Os casos de autismo estão realmente crescendo ou estamos diagnosticando mais? Ou seriam as duas coisas?
PAULO: O número está realmente aumentando em todo o mundo. Não entendemos ainda exatamente o porquê isso tem ocorrido. Provavelmente há uma somatória de fatores genéticos e ambientais que interagem entre si. Não há nenhuma dúvida que muitos aspectos genéticos têm influenciado neste aumento. Há inúmeras pesquisas científicas sendo conduzidas por todo o mundo a respeito da genética e dos fatores epigenéticos relacionados ao autismo.
É fundamental que, além de conseguirmos tratar melhor as crianças que estão sendo diagnosticadas, sejamos capazes de descobrir os motivos deste aumento na incidência desta doença.
HANNA: Alguma mensagem que gostaria de deixar para nossos leitores?
PAULO: Como mensagem final, vou deixar o que sempre digo às mães durante as consultas: “Nós NUNCA perdemos, até que o jogo acabe”.
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