Recentemente eu li uma matéria no “The New York Times” sobre a efetividade do uso de Google Glass no tratamento de crianças autistas e fiquei maravilhada com a novidade. Para quem não sabe (como eu, que tive que pesquisar para entender a notícia), o Google Glass ou Project Glass é um acessório em forma de óculos que possibilita a interação dos usuários com diversos conteúdos em realidade aumentada.
Mas o que isso ajuda pessoas com autismo? A matéria contra a história de Esaïe, um menino com autismo que utiliza os óculos para aprender a reconhecer emoções. Basicamente quando o garoto olha para o rosto de uma pessoa os óculos ajuda indicar a emoção correta que esta pessoa está sentindo, auxiliando o ensino da criança a compreender expressões faciais. Isso, em tese, auxilia a que a criança tenha mais interesse em contato visual e a decifras de forma mais adequada as relações intersociais.
Pesquisando sobre o assunto eu encontrei o projeto “The Autism Glass Project”. A ideia é o uso dessa tecnologia para expandir a terapia para além da consultoria e da terapia em ambiente natural praticada com presença de terapeuta. É claro que todo o uso da tecnologia se faz, nesse ou em qualquer outro caso, com orientações de profissionais da área de saúde, não na busca da substituição da terapia, mas na extensão de seus efeitos.
Eu, bem mãe de criança autista, nem tinha acabado de ler a notícia e já estava pesquisando para ver quando tais óculos custam, e no mercado livre vi que a média de valor é de R$ 3.000,00 (três mil reais). Mas não me adianta os óculos sem os aplicativos apropriados, e não achei tais aplicativos disponíveis, possivelmente por todos eles ainda se encontrarem em face de teste. Não há substitutivo das terapêuticas, porém é acredito que os recursos tecnológicos podem, a cada dia mais, se tornarem ferramentas importantes no tratamento de pessoas com autismo.
Autistas dentro ou fora da escola? Há algum tempo atrás a Ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, proferiu a seguinte declaração quando tratava sobre a defesa do ensino domiciliar: "Pais de crianças com deficiência e autismo gostariam de educar filhos em casa". Na época eu não dei muita bola, mas vendo que o debate permanece mesmo cerca de quatro meses após a declaração, optei por abordar aqui o assunto.
A inclusão escolar está longe de ser uma realidade brasileira, isto é fato. Não estou dizendo que não existem escolas inclusivas, mas sim que essa não é a regra. Diante da grande dificuldade que pais de crianças autistas enfrentam para conseguir uma situação escolar digna para seus filhos surge o dilema: se é para ir para uma escola não inclusiva, não seria melhor ter ensino em casa?
Esse é um pensamento valido, natural e até decorrência de uma estrutura lógica de encarar a sociedade em que vivemos nesse momento. Todavia, o que particularmente me incomoda é o ensino brasileiro ser tão pouco inclusivo a ponto de levar pais, que desejam inicialmente que seu filho fosse matriculado em ensino regular, começarem a semear o desejo de ver seus filhos em casa.
Uma coisa é ser adepto do ensino domiciliar por acreditar que essa é a melhor forma de dar educação a seu filho; outra coisa é ser adepto do ensino domiciliar porque não temos uma inclusão adequada. E é justamente nesse aspecto que as palavras de ministra me incomodam.
Particularmente eu acredito que o Governo (Municipal, Estadual e Federal) deve tomar medidas públicas para incentivar a inclusão. Dizer que muitos pais preferem que seus filhos autistas sejam educados em casa para não serem expostos, é conhecer a falibilidade do sistema de inclusão, sem tomar medidas para melhorar a inclusão no país.
Eu convivo com muitos pais e mães de crianças com autismo, e sei que boa parte deles preferia que seu filho não fosse a escola por ter medo que a deficiência do sistema de inclusão pode tornar a experiência escolar tortuosa. Porém, a saída para este caso não seriam medidas governamentais para manter os filhos em casa, mas sim medidas governamentais para aprovar a inclusão.
Uma legislação que autoriza o estudo domiciliar jamais pode ser uma forma paliativa de lidar com um sistema de inclusão praticamente falido. A inclusão escolar é possível, e existe escolas que tem desempenhado maravilhosamente seu papel. Precisamos de medidas públicas que incentivem a escola PARA TODOS.
Outro aspecto que me incomodou na fala é que eu não sinto legitimidade na Damaris para que ela fale em nome de todos os pais e mães de crianças com autismo. Acredito que a ministra precisa ouvir e se aprofundar no tema se deseja ser uma porta vós dos Direito das Pessoas com Autismo (e torcemos que o faça, porque a luta para um Brasil melhor para as pessoas com autismo não dispensa nenhum interessado, seja ele de direita ou esquerda, homem ou mulher, religioso ou ateu).
Em 11 de abril deste ano o Presidente Jair Bolsonaro assinou lei que regula a educação domiciliar de crianças e adolescentes, prática conhecida como homeschooling. Para virar lei, a medida provisória precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias. Particularmente, eu sou contra a tal aprovação, sendo que o principal aspecto a me preocupar seria a fiscalização sobre casos de abusos ou negligências para casos de crianças em regime de estudo domiciliar (em uma apertada síntese). E você? O que pensa do assunto?
Quer sugerir um tema ou contar sua história? Quer partilhar como é ser autista ou sua vivência como pai/mãe de uma criança/adolescente com autismo? Vou adorar ouvir você! (contato@baptistaenascimento.com.br)
Hanna Baptista – redatora do Diário de Autista, advogada, e mãe de uma linda criança autista.