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A fera e a bela

Edward Topsell / The History of Four-footed Beasts (1607) / Wikimedia Commons

A bela caminha tranquila e feliz. É bela e sua vida é bela, não precisa se preocupar com ela. Aliás, não se preocupa com nada, só com ser bela, o que é sem fazer força, sem cansar sua beleza. Começa até a se sentir preocupada com tanta despreocupação, como se estivesse deixando de se preocupar com algo importante, tão despreocupada em sua vida bela. Logo afasta o pensamento cinza que não faz bom conjunto com sua mente cor-de-rosa.

A bela segue quase flutuando, até notar que, no mesmo caminho, vindo em sua direção, aproxima-se uma fera. A fera tem as unhas enormes, a bocarra contorcida, faminta. A bela se assusta, sente um calafrio enquanto imagina a fera destroçando-a com suas presas. Mesmo assim, a bela segue caminhando, enquanto se esforça para parecer natural: as feras farejam medo, o melhor a fazer é não demonstrar fraqueza.

Cada vez mais perto, a bela pode perceber que a fera está cansada, tem os olhos doentios. A bela sente pena, mas apenas por um segundo, logo volta a seu senso e se repreende: não pode se deixar enganar pela fera ardilosa. A bela sabe do que uma fera é capaz, há muitas histórias de terror sobre as horríveis feras, como aquela da bela desaparecida, encontrada na barriga de uma fera.

A fera vem vagarosamente, quase se arrastando. A bela desconfia do bote traiçoeiro. A fera continua com o olhar baixo, parece até sentir medo da bela. É assim que elas são mais perigosas, pensa a bela. A bela sua frio, apesar de quase já respirar o bafo quente da fera. De súbito, a fera se volta para a bela e escancara a boca devoradora, os dentes ameaçadores, um rugido começa a irromper, vindo das profundezas do estômago faminto. A bela se desespera, corre para o outro lado do caminho, grita por socorro.

Como num conto de fadas, ou numa vida bela, ao cruzar o caminho, em fuga, a bela se depara com um príncipe. O príncipe está acompanhado de um imponente cão de guarda. A bela se joga nos braços fortes do príncipe, passa a mão no pelo macio do cão, beija um (o príncipe, não o cão) e ordena que o outro (o cão, não o príncipe) dê um fim à fera bravia. O obediente cão avança em direção à fera, que parece já estar caída, certamente armando um ataque covarde ao cão. A bela fecha os belos olhos, para evitar a cena feia, mas não resiste e espia. A bela, então, fica chocada ao perceber que o cão lambe a fera caída. Morda essa fera, destrua esse bicho monstruoso, grita a bela ao cão. Mas o cão segue dando carinho à fera. A bela e o príncipe (que não sabe muito bem o que fazer, como quase todo príncipe), assistindo à inatividade da fera, aproximam-se. A fera está quase morta, mas não apresenta qualquer ferida causada pelo cão, que, ao contrário, parece querer curá-la. Essa fera terrível deve estar morrendo do coração, certamente pelo susto que levou com o ataque do meu cão, finalmente diz o príncipe, gabando-se. O cão segue lambendo a fera. A bela ouve um fraco rugido saído da boca escancarada da fera moribunda. De perto, a fera se parece com uma pessoa feia, pensa a bela, que se ajoelha ao lado do bicho e consegue ouvir, num último suspiro bestial, o que não sabe dizer se é um pedido ou uma ameaça: comida.

Joseph Jacobs e John Dickson Batten / Europa Fairy Book (1916) / Wikimedia Commons

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Depois de receber muitos pedidos (ok, foram apenas alguns… certo, foram dois ou três… tudo bem, confesso, apenas o meu pai pediu) para que eu voltasse a escrever no blog, resolvi começar meu ano blogueiro. Por conta de compromissos profisionais, ainda vai demorar um pouco para que eu consiga voltar a escrever toda semana, mas prometo que vou me esforçar — afinal, pedido de pai-leitor é ordem! Abraço a todos e meus votos de um feliz 2012 (a todos mesmo, inclusive aos que não pediram a minha volta e até aos que torciam para que eu nunca mais voltasse)!

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