O sinal fechou. O menino sujo caminhou em direção ao carro. O homem limpo fechou a janela. O menino sujo bateu no vidro. “Papai, por que você não quer abrir a janela para o menino?”, perguntou o filho corado, do banco de trás. Pergunta difícil. O homem limpo abriu a janela. “O senhor pode me ajudar?”, perguntou o menino sujo. Pergunta fácil, resposta difícil: posso, mas não quero. O homem limpo preferiu seguir o protocolo: “Não tenho trocado hoje, guri”. Quem não seguiu o protocolo foi o menino sujo: “Não estou pedindo trocado, senhor”. Menino ousado! Seria um assalto? “O que você quer, então?”, rebateu o homem limpo, com o pé no acelerador, pronto para avançar o sinal vermelho. “Só quero uma resposta”, disse o menino sujo. “Você quer saber como chegar a algum lugar? Se for isso, não posso ajudar, sou de fora da cidade”, respondeu o homem limpo. “Papai, a gente mora aqui há bastante tempo. Por que você disse isso?”, interrompeu o filho corado. Pergunta difícil. Espertinho. “Não é tanto tempo assim, filho. Deixa o papai falar com o menino”, desconversou o homem limpo. “No fundo, acho que quero saber como chegar a algum lugar, mas a resposta que procuro não é bem essa”, disse o menino sujo. “Qual é, então?”, irritou-se o homem limpo. “Quero saber o seguinte: por que eu estou aqui e o senhor e seu filho estão aí?”, perguntou o menino sujo. “Como assim?”, espantou-se o homem limpo. “Por que eu sou pobre e fico na rua, e o senhor e seu filho são ricos e andam de carro?”, indagou o menino sujo. Pergunta difícil. “Porque eu… trabalho duro”, respondeu o homem limpo. “Eu também trabalho duro, senhor. Acordo de madrugada para catar papel e faço isso até tarde da noite. Só paro aqui na hora do almoço, para comer alguma coisa com meus irmãos, que vendem bala neste sinal. Tenta outra vez”, falou o menino sujo. Insolente. “Escuta aqui, guri, não tenho tempo para isso. O sinal já vai abrir”, atalhou o homem limpo. “O senhor ainda tem algum tempo. O sinal vermelho para os pedestres não começou a piscar ainda”, replicou calmamente o menino sujo. O filho corado olhava a palidez do homem limpo pelo retrovisor. “O senhor nasceu em uma família pobre?”, perguntou o menino sujo. “Não”, respondeu o homem limpo. “O senhor precisou trabalhar quando era criança?”, questionou o menino sujo. “Não. Comecei a trabalhar com uns… 18 anos”, lembrou-se o homem limpo. “Nossa, com 18 anos eu acho que já vou poder me aposentar por tempo de serviço”, brincou o menino sujo. Riram juntos. “E aí, o senhor sabe por que o senhor e seu filho nasceram ricos e eu nasci pobre? Por que vocês mereceram isso e eu não?”, perguntou o menino sujo. Pergunta dificílima. O sorriso desapareceu dos lábios do homem limpo: “Olha, guri, esquece isso… Quantos anos você tem?”. “Tenho 14, quase 15. Não consigo esquecer isso, senhor. Essa pergunta não sai da minha cabeça. Procuro resposta em todos os livros, jornais e revistas que recolho, antes de vender para a reciclagem. Nunca encontrei uma resposta. Perguntei para os meus conhecidos, mas eles não têm estudo e não sabem responder. Comecei, então, a perguntar para as pessoas que param neste semáforo, que é o mais demorado da cidade, para dar tempo para elas pensarem. Pergunto principalmente para quem anda em carrão como esse seu. Gente com dinheiro, que deve saber a resposta”, contou o menino sujo. “E alguém já lhe respondeu?”, quis saber o homem limpo. “Não… As pessoas preferem me dar dinheiro ou me igonorar… ou até furar o sinal”, disse o menino sujo. “Toma dez reais”, e o homem limpo estendeu uma nota de dinheiro. “Por quê?”, perguntou o menino sujo. “Papai, por quê?”, fez coro o filho corado. O homem limpo corou. Criança só faz pergunta difícil. “Pega, por favor, guri”, chacoalhou a nota. O sinal vermelho para os pedestres já piscava. “Tudo bem. Mas passa aqui em outro dia, na hora do almoço. Se o senhor tiver a minha resposta, eu compro com os seus dez reais”, disse o menino sujo, voltando para a calçada. O sinal abriu. Muito confuso e um pouco aliviado, o homem limpo subiu o vidro, acelerou e ficou olhando pelo retrovisor o menino sujo — que seguia o carro com o olhar. Se o limpassem, poderia passar por um filho mais velho. Tinha até traços parecidos com os do filho corado. Depois de alguns momentos refletindo sobre a pergunta do menino sujo, o homem limpo encontrou uma solução: nunca mais passaria por ali. Segurou firmemente o volante com suas mãos limpas e mudou o trajeto, para despistar o olhar inquiridor do menino sujo.
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