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O seguro morre de velho. E, mais importante, o seguro deixa os outros morrerem de velho – se os outros também forem seguros. Eu procuro ser seguro, agir com prudência. Isso pode parecer chato para alguns, mas prefiro ser um pouco chato a ser achatado – ou ver quem eu amo ser achatado, ou achatar alguém. Dia desses, por exemplo, minha esposa, cansada depois de um dia de trabalho, tirou os sapatos e esticou as pernas sobre o painel do carro, relaxando enquanto eu dirigia. Eu sabia que ela estava cansada e hesitei um pouco em lhe cortar o barato, mas preferi cortar seu barato a correr o risco de vê-la cortada. Pedi, então, que ela tirasse as pernas do painel, pois poderíamos sofrer um acidente e o para-brisa machucaria seus pés. Ou, ainda, o airbag poderia estourar e ela mesma se dar um golpe ridículo, uma joelhada dupla na cara. Uma cena divertida até, se não pudesse terminar em dor e tristeza. Como era para ser divertido o show pirotécnico da banda que se apresentava na boate Kiss, em Santa Maria (RS), no último domingo, como era para ser divertida aquela noite de verão. Mas o show foi de horror e aquela noite em Santa Maria, das mais tristes de que se tem notícia.

“Mas qual é a chance de isso acontecer?”, costumam perguntar os imprudentes, os inseguros – que geralmente parecem tão seguros de si. Talvez a probabilidade de um foguetinho causar um incêndio de grandes proporções seja de 1%. Talvez a probabilidade de um plano de emergência de uma boate ser efetivamente utilizado algum dia seja de 0,1%. Mas 0,01% de probabilidade significam 100% de possibilidade. É provável? Pouco, mas é possível. Se a chance de uma desgraça acontecer é de 0,01%, ela não é inexistente, a chance existe – e vai se mostrar 100% trágica quando se consumar. Ou alguém discute que os mais de 200 mortos na tragédia de Santa Maria perderam 100% de suas vidas terrenas e seus familiares estão 100% arrasados?

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Acidentes acontecem – e são inevitáveis. Não parece ter sido o caso de Santa Maria. Acidente, segundo o dicionário, é o que é “casual, fortuito, imprevisto”. Algo que nem mesmo as pessoas mais seguras, mais prudentes, podem evitar. Se um raio tivesse iniciado o incêndio na boate gaúcha e todas as medidas de segurança e evacuação do estabelecimento fossem adequadas, devidamente fiscalizadas pelos entes públicos, se mesmo assim o drama de Santa Maria se consumasse, estaríamos chocados com um verdadeiro acidente. Hoje, ainda estamos chocados com uma tragédia que, ao que tudo indica, poderia ter sido evitada ou minimizada. É possível e muito provável que, se os envolvidos fossem seguros, prudentes, pensassem nas consequências de suas ações e omissões, as centenas de mortos em Santa Maria tivessem a chance de morrer de velho. Que Deus os tenha antes do tempo.

P.S.: Depois de um longo período sem escrever no blog, volto a partir de hoje a publicar textos todas as sextas-feiras. Conto com a leitura de todos!