Pagar por um erro do vendedor de planos de telefonia móvel: R$ 9,90. Pagar o estacionamento do shopping onde fica a loja de celulares, depois de ouvir do teleatendimento da operadora que o pedido de devolução do valor cobrado indevidamente só poderia ser feito pelo próprio vendedor: R$ 4,50. Assistir ao vendedor ligando para o teleatendimento da operadora que representa, esperando um tempão ao telefone e lidando com atendentes desinformados e seus gerúndios: não tem preço! A vingança até pode ser um prato que se come frio, mas que a orelha do vendedor ficou quente, ah, isso ficou! E eu fiquei satisfeito, confesso, por fazer um “deles” passar pelo que nós passamos sempre que precisamos resolver algo (geralmente um erro “deles”) pelo atendimento telefônico das empresas. A vendeta deu na veneta.
Passada a sanha justiceira, voltei ao pacifismo (nunca passividade) habitual. Mas uma reportagem exibida ontem pelo Fantástico, abordando a vingança na novela e na vida real (com casos muito mais graves do que a minha vingançazinha contra o vendedor de celulares), fez com que eu voltasse a pensar sobre o tema, sobre como é difícil reprimir a vontade de se vingar contra um ofensor. Até a palavra é saborosa: VIN-GAN-ÇA. Quase dá água na boca. É assim mesmo. Somos seres humanos, falta-nos humildade, sobra-nos vaidade, e temos uma dificuldade enorme de perdoar, de relevar, de tolerar, de dar a outra face – preferimos esmurrar a face do outro. Pensamos que somos todos carrascos, com licença para vingar. Aliás, ontem mesmo a reportagem do Fantástico mostrou a personagem da Glória Pires (cujo nome, ironicamente, é Norma) dizendo algo do tipo: “o carrasco sou eu”.
Pior: confundimos vingança com justiça. Basta ver a reação de parte da população frente a crimes midiatizados, quando muitos “indignados” se reúnem diante dos tribunais e das câmeras de televisão e pedem justiça, mas não querem nem ouvir os argumentos dos acusados. Clamam por justiça, esperam vingança. Foi o dramaturgo francês Henry Becque quem escreveu que “envelhecendo, percebemos que a vingança ainda é a forma mais segura da justiça”. Para mim, é só uma frase de velho ranzinza. Vingança não é segura, muito menos é justiça. Na verdade, a vingança é um passo atrás nesse longo caminho que trilhamos para chegar ao patamar em que estamos – ainda não é, nem de longe, o lugar ideal, mas é preciso seguir em frente. A vingança borra o contrato social. Se hoje somos uma sociedade minimamente organizada, em grande parte é porque oficialmente abrimos mão da vingança, da “justiça com as próprias mãos”, para que o Estado faça isso por nós – é verdade que o Estado muitas vezes faz mal, mas, por incrível que pareça, se é ruim com ele, pior seria sem ele. Além do mais, a satisfação da vingança não vinga (no curioso sentido de “prosperar”), é como a reação a um entorpecente: o prazer imediato é intenso, mas pouco depois some e deixa um vazio insuportável.
De fato, a vingança é uma droga. E, da mesma forma que existem drogas socialmente aceitas, há vinganças aceitáveis, vinganças em versão light. São aquelas que não causam prejuízo, não machucam ninguém, mas matam a sede de vingança, como a minha contra o vendedor de celulares e como aquelas por telefone, famosas na internet, contra o falso sequestrador (veja aqui) e contra a atendente de telemarketing (veja aqui). Essas vingançazinhas podem não fazer justiça, mas não dá para negar que fazem a semana começar mais leve.
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Agudas
– Hoje, 4 de julho, é dia do operador de telemarketing. Muita gente pega no pé desses profissionais, mas é preciso ter em mente que eles estão apenas trabalhando – e que a culpa por um eventual atendimento deficiente é mais da empresa do que deles. De qualquer forma, em homenagem a tais trabalhadores que “vão estar fazendo” parte de nossas vidas por muito tempo ainda, eis mais uma vingançazinha bem humorada: veja aqui.
– “Ordinariamente o desejo, plano e execução da vingança incomodam mais os nossos espíritos do que as injúrias e ofensas recebidas.” (Marquês de Maricá)
– Já que o tema é vingança, impossível não recordar a Rainha de Copas, personagem de Alice no País das Maravilhas, berrando: “Cortem-lhe a cabeça.” O clássico de Lewis Carroll faz hoje 146 anos de publicação.
– E você, já se vingou? Como foi?
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