Há 380 anos, exatamente, falecia Mumtaz Mahal, esposa preferida (entre três) do imperador mogol Shah Jahan. Como amostra de seu amor pela mulher, o viúvo mandou construir o mais suntuoso e famoso mausoléu do planeta, o Taj Mahal – hoje considerado uma das sete novas maravilhas do mundo. Nunca fui à Índia e, portanto, não conheço “ao vivo” esse templo fundado na morte. Tenho, porém, muita vontade de ver o Taj Mahal de perto. Não apenas pela evidente beleza da construção, mas, sobretudo, pela curiosidade que me desperta esse tipo de monumento, erguido em homenagem a alguém que partiu do mundo dos vivos. Sempre que viajo, não preciso pedir: os city-tours da vida invariavelmente levam os turistas a cemitérios, para conhecer túmulos famosos e belas construções fúnebres.
Sim, há mausoléus belíssimos. Mas pergunto: um corpo sem vida precisa de uma casa bonita? Para quê? Se a intenção é homenagear o falecido, não é muito mais significativo e útil (para os vivos e para o morto, creio) doar a fortuna que se gasta em uma construção dessas para os mais necessitados, por exemplo? Aliás, aposto que a própria Mumtaz Mahal teria preferido algo do tipo: ela ficou famosa por sua compaixão pelos pobres e por incentivar o imperador a praticar a caridade.
Sei que a intenção do Shah Jahan (e de quem faz algo do tipo, em geral) era boa, que ele queria eternizar seu amor pela princesa. Mas amor eterno não é algo que se constrói com mármore e pedras preciosas. Ao contrário. Meu avô paterno contava que, certa vez, um príncipe indiano foi ao guru Rhámar l´Húmistan perguntar qual presente ele deveria dar à noiva, para demonstrar todo o seu amor à futura esposa. O guru respondeu: “O que vale, amigo, não é o que se dá, mas o que leva ao desejo de oferecer e, mais ainda, de oferecer-se. Não dês, pois, à ‘lua de teu céu’ um palácio simplesmente porque é um palácio. O Taj Mahal é um, de beleza sem par, mas é um monumento fúnebre. Se pretenderes que tua eleita te queira mais pelas escadas de mármore e pelo vasos de pórfiro, estarás oferecendo a ela o jazigo bonito de um amor que passa. Mais que o abrigo do teto de ouro, com desenhos e pinturas falando em amor, oferece-lhe o amparo de teu sentimento e a busca mútua de calor recíproco ante a dúvida e a preocupação”*.
O polemista estadunidense Ambroise Bierce definiu mausoléu como “loucura final e a mais engraçada dos ricos”. Não chego a tanto. Não considero esse tipo de coisa uma loucura (nem sempre), muito menos engraçada. Mas, para mim, parece óbvio que um mausoléu serve (?) muito mais a quem fica do que a quem vai. Pode ser uma tentativa desesperada de se maquiar a face triste da morte, pode ser um pedido tardio de perdão, pode ser uma forma inocente de se manter um status diferenciado obtido em vida – uma fuga ineficaz do fato de que, debaixo da terra, somos todos iguais.
Enfim, já que está lá, que se visite e se admire a beleza arquitetônica do Taj Mahal, e que se compreenda a motivação desesperada de sua construção. Mas que se tenha a consciência de que as homenagens mais significativas são feitas antes da morte de quem se quer homenagear (depois, só oração), que um singelo “eu te amo” dito em vida vale mais do que milhares de sonetos póstumos, e que os monumentos verdadeiramente eternos são construídos com amor, não com mármore.
*O presente, de José Wanderley Dias, In: Ao som das flautas de bambu (1991)
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Agudas
– “Um dia vem o fim comum a todos os mortais.” (Sófocles)
– “A pálida morte bate com força igual nas barracas dos pobres e nos palácios dos reis.” (Horácio)
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