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Dica de presente neste dia das crianças (e dia nacional da leitura)

Reprodução
A vingança do timão: o livro que mais marcou a minha vida!

Hoje é dia das crianças. Qual é o presente que você comprou para as suas? Pergunto logo sobre os presentes, porque, infelizmente, parece que foi a isso que a data se reduziu. O dia das crianças deveria ser mais do que isso. Sabem quais são os melhores presentes para as crianças? O pai presente, a mãe presente, a família presente, os professores presentes, os amigos presentes, o Estado presente, a sociedade presente…

Mas hoje é feriado, a criançada corada quer rasgar os pacotes coloridos, brincar até cansar (ou até receber outro embrulho) com os brinquedos mais legais dos últimos trinta segundos, e venho eu com esse papo? Tudo bem, eu paro. Deixemos a reflexão para outro momento – os lojistas agradecem. Até porque, reconheço, também é preciso dar uns passinhos conforme a música. Assim como um tapinha (bem “inha”, quase um carinho) não dói, um presentinho também não. Por isso, dou a dica do presente perfeito para este dia das crianças: um livro! Sim, afinal, hoje também é dia nacional da leitura! É ou não é o presente perfeito para esse dia? Calma, não é preciso devolver na loja o bonequinho americano feito na China, mas, além dele, dê um livro adequado à faixa etária de sua criança – ela e a sociedade agradecerão, ainda que no futuro.

Para aquelas crianças que já leem com facilidade (talvez não mais exatamente crianças, mas pré-adolescentes ou já adolescentes, que continuam querendo e ganhando presentes no dia das crianças), eu dou uma dica de livro. Antes, uma história. Há alguns anos, durante uma espécie de entrevista coletiva em que este repórter virou entrevistado, ouvi a seguinte pergunta: “qual foi o livro que mais marcou a sua vida?”. Sem titubear, respondi: “A vingança do timão”. Pude notar a decepção de alguns dos entrevistadores, que certamente esperavam que eu desse uma resposta mais “convencional” e “intelectual”, citando algum dos “clássicos” da literatura – aqueles que, traumaticamente, nos são empurrados retina adentro, nos tempos de escola. Mas fui sincero. O livro que mais marcou a minha vida foi um que li pela primeira vez quando tinha dez ou onze anos: A vingança do timão (acho que a última edição é da Quinteto Editorial), do escritor gaúcho (ex-padre e preso político) Carlos Moraes.

Antes que alguém pergunte, respondo: não sou corintiano, torço pelo Botafogo. De fato, o título confunde – e o autor é corintiano. Mas o timão a que o título se refere é um inesperado time de futebol formado por meninos de uma localidade pobre do Rio Grande do Sul, que se preparam para disputar um torneio contra a equipe do colégio da meninada rica. Eu me identifiquei com a história, pois, na época, eu jogava bola na escola particular e no clube dos ricos, no interior do Paraná, e várias vezes enfrentei a gurizada dos times da periferia da cidade – nós tínhamos os uniformes impecáveis, chuteiras lustradas, corpos bem nutridos (no meu caso, até demais) e pouquíssimo talento; eles jogavam com qualquer camiseta de cor parecida, às vezes descalços, tinham corpos franzinos e muita habilidade. Perdi as contas de quantas vezes eu levei dribles desconcertantes de meninos com a metade do meu tamanho e um centésimo da minha mesada. Para eles, do timão dos injustiçados, eram pequenas vinganças. Para mim, eram grandes lições. Uma vez, depois de um jogo na favela, até resolvi dar minhas caneleiras novinhas para um piá que eu marquei (ou tentei marcar, já que nem com pontapés eu consegui pará-lo): para enfrentar as injustiças da vida e a violência dos campos, achei que ele precisava muito mais delas do que eu.

Com o futebol como pano de fundo, A vingança do timão reflete sobre desigualdade social (sutilmente, também sobre drogas e criminalidade), sobre família, sobre o primeiro amor e as demais crises da (pré-)adolescência, enfim, sobre todos os aspectos da vida de um jovem. A certa altura, Tucano, personagem principal, elabora: “A vida é engraçada. Às vezes, vem alguém todo certinho e nos inferniza a vida. Às vezes, vem alguém de bicicleta sem freio, rolando coxilha abaixo e nos ordena as coisas”. Indiscutível. Impossível não se identificar.

Na verdade, A vingança do timão é um livro para todas as idades. Quando criança, eu o li dezenas de vezes. Já adulto, encontrei-o em um sebo e fiquei com os olhos marejados. Comprei-o e li mais algumas vezes. Depois, descobri que o livro ganhou o prêmio Jabuti de 1981 (eu não era nem nascido), na categoria infanto-juvenil, que é leitura recomendada de muitas escolas e que há até uma comunidade no Orkut de pessoas que tiveram suas vidas marcadas pela obra. Encontrei, inclusive, uma crítica da revista Placar, de 3 de abril de 1981, afirmando que o livro era (é) um golaço, num país em que eram (são) raras as obras sobre futebol: “Não é um livro sobre o Corinthians, como pode parecer, e nem é apenas para os jovens. É, isso sim, leitura obrigatória para todos que já entraram num campo de futebol e um dia sonharam – de olhos abertos ou fechados – em ser o artilheiro, o herói do grande espetáculo da bola”. É, enfim, um grande presente!

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Agudas

– Esta é a publicação n.º 50 deste blog: cinquenta reflexões sobre os dias da vida deste Dias da vida. Há 35 anos, outro Dias da vida atingia uma marca cem vezes mais expressiva: meu avô paterno, José Wanderley Dias, publicava na Gazeta do Povo sua crônica n.º 5.000. De lá para cá, o Brasil melhorou e os meios de comunicação evoluíram. Já o cronista… Pobre de mim, ou de vocês, que me leem: meu avô escrevia muito, cem vezes mais e melhor do que eu (ou duzentas, já que ele passou das dez mil crônicas). Eu já suspeitava disso há bastante tempo, mas tive certeza quando comecei a ler seus livros de crônicas. “Dono de um verbo eloquente, o autor sabe dizer a palavra certa, no momento oportuno”. Quem fez esse elogio a meu avô não fui eu; foi Helena Kolody, ao apresentar o último livro dele, Ao som das flautas de bambu, de 1991. Se uma Helena Kolody afirmasse algo assim a meu respeito, acho que eu pararia imediatamente de escrever. Aliás, pararia com tudo. De tempos em tempos, um sorriso afloraria no canto da boca e eu murmuraria: “Dono de um verbo eloquente, o autor sabe dizer a palavra certa, no momento oportuno” (mais ou menos como o publicitário da famosa crônica do Verissimo). Meu avô escreveu até dias antes de passar para o “outro lado da rua da vida”, como ele costumava falar. Eu também pretendo escrever até o dia em que o sinal abrir e eu puder atravessar – espero que em uma faixa iluminada nas nuvens, com São Pedro vestido de guarda de trânsito e parando o tempo para eu cruzar em segurança. Se isso demorar a acontecer (oxalá), talvez eu consiga chegar às cinco mil crônicas. Provavelmente, não deixarei marcas tão significativas quanto as que meu avô deixou. Tudo bem. Já fico um tanto satisfeito por publicar este quinquagésimo texto, por às vezes receber alguns comentários (elogiosos ou não) e por aprender sempre. Como meu avô escreveu na intitulada Crônica número 5.000: “A grande mestra é a vida; os grandes catedráticos no assunto são os viventes; o aprendizado só é possível em convivência, em coexistência. Isso, que aprendi, procurei comunicar”.

– Outro que aprendeu muito com a vida e com seu avô foi o fantástico José Saramago, como se lê em seu discurso proferido na cerimônia de entrega do prêmio Nobel, há 13 anos. Aproveito para citar Saramago, pois é dele o livro que mais me impressionou em minha vida adulta (até o momento): Ensaio sobre a cegueira. Mas esse não é para as crianças.

– Quer mais opções de livros infantis? Veja aqui, em matéria da Gazeta do Povo.

– Por fim, peço desculpas aos leitores: na semana passada, por problemas técnicos (com meu computador), não consegui publicar a crônica de sexta-feira. Extraordinariamente, publico nesta quarta e volto a publicar na sexta-feira da semana que vem!

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