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Do repórter infantil ao maior repórter do Brasil

Montagem sobre fotos de Nadia Szopinska e Sias Van Schalkwyk / SXC.HU
A víbora e o jornal.

Dia desses, meu pai encontrou uma gravação de áudio em que eu, aos quatro anos, dou uma de repórter e narro a ocorrência de um acidente aéreo, empostando a voz infantil e comunicando minuciosamente a notícia, tudo registrado em uma fita cassete – com dois “s”, piazada, não é palavrão, é uma fita magnética em que os dinossauros gravavam seus sons jurássicos. Também encontrei outro registro, esse em vídeo (fita VHS, a avó do Blu-Ray), em que eu (aos oito anos) e meu irmão (aos seis) seriamente apresentamos à câmera uma garra de gavião, como se fosse uma incrível descoberta arqueológica; ao final, encerrávamos a reportagem: “Vinícius e Guilherme para o National Geographic”. Eu era uma criança curiosa, lia muito, tinha sede de informação, um pequeno jornalista investigativo – como quase toda criança devidamente estimulada.

Acabei cursando a faculdade de Jornalismo, e, formado, trabalhei por quase seis anos como repórter da Gazeta do Povo. Fiz algumas reportagens bacanas, mas confesso que não recuperei o ímpeto de repórter da infância, quando tudo era novidade, tudo era notícia – as notícias pareciam novas. Não estou só. Muita gente se diz desestimulada a acompanhar o noticiário, pois os políticos, os escândalos, os desastres parecem sempre os mesmos. O Sarney, que mandava no país quando eu, aos quatro anos, noticiava o acidente de avião, ainda manda muito hoje, quando escrevo este texto, aos trinta. Quando eu tinha oito anos e brincava de reportar para o National Geographic, o Collor estava no poder; e hoje, onde ele está? Está lá, em outro Poder, mas segue podendo muito. E o impeachment não foi uma notícia inventada por uma criança. O que falar das inundações e deslizamentos causados pelas chuvas de verão? Todo ano tem. E brigas entre torcidas? Todo mês tem. E apreensões de droga? Toda semana tem. E mortes no trânsito? Todo dia tem.

Nada disso é novidade. Deve, então, o repórter parar de registrar tais fatos? Ao contrário. O repórter deve continuar incansável em seu trabalho, relembrando diariamente à população o absurdo da banalização de crimes, escândalos políticos, omissões do Estado… Porém, já que os fatos não são novos, o que deve mudar é a abordagem: é preciso encontrar novas formas de se contar velhas histórias, instigando a reação do público às garras dos gaviões cotidianos. Assim, quem sabe, numa edição futura, com a população mais formada, informada e capaz de se indignar com más “notícias”, tudo isso deixe de ser corriqueiro e passe a ser notícia de fato. Estaremos no caminho certo no dia em que nos chocarmos verdadeiramente com um ato de corrupção noticiado, como uma criança se choca com a notícia de um acidente aéreo.

Escrevo isso hoje porque me antecipo (vício de jornalista): amanhã, 16 de fevereiro, é Dia do Repórter, o mais importante elo da corrente da imprensa, mais importante do que o editor, do que o chefe de reportagem, do que o diretor de jornalismo, do que o dono do jornal. Quem disse isso não fui eu, mas Joel Silveira, considerado o maior repórter brasileiro – e quem disse isso não foi ele, mas o poeta Manuel Bandeira. Até dias atrás, eu pouco tinha ouvido falar sobre Joel Silveira. Até assistir ao documentário “Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças”, o primeiro produzido pela Globo News. A víbora em questão é o próprio Joel Silveira, apelido pelo qual era chamado por seu chefe Assis Chateaubriand (que o mandou cobrir a Segunda Guerra Mundial, sua grande experiência jornalística), por conta do estilo agudo do repórter sergipano. Dirigido por Geneton Moraes Neto, outro grande repórter, o documentário me fez sentir a paixão jornalística dos meus tempos de criança, fascinando-me pelas presas da víbora, que destilava seu veneno em textos intoxicantes. Falecido em 2007, Joel Silveira reportou como ninguém a vida nacional ao longo do século XX, ou, como ele mesmo disse no documentário: a víbora viu a banda passar.

Enfim, junto às felicitações a todos os repórteres que continuam mostrando os dentes às injustiças, aos desvios, aos escândalos, e continuam mostrando a realidade (infelizmente dura e repetitiva) à população, deixo a dica: o documentário “Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças” será reprisado no canal Globo News, no sábado e no domingo da semana que vem, dia 23/02, às 15h30, e dia 24/02,às 20h30.

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