Daqui a milhares de anos, quando arqueólogos estiverem fazendo escavações na região da casa em que vivi durante a infância e a adolescência, talvez alguém encontre o meu primeiro baú de tesouros. Enterrei-o há quase duas décadas, no jardim. Era (espero que ainda seja) um pequeno baú, do tamanho de uma caixa de bombons, feito de madeira e pintado de preto. Lembro-me de tê-lo enterrado a cerca de um metro da superfície, depois de ler algum livro de histórias de piratas. A localização exata eu não sei. Já pensei em procurá-lo, mas, depois de perder o mapa, preferi não esburacar o quintal de que minha avó tanto cuidou.
Também não recordo exatamente quais eram os tais tesouros que enterrei. Lembro-me de alguns deles. Para parecer um tesouro de verdade, ao menos eu pensava assim na época, não poderia faltar dinheiro: algumas moedas de réis (que já eram muito velhas na época). Ainda deve estar lá uma medalha de participação em uma Olimpíada Escolar, além de um cristal de quartzo. Para minha tristeza, são grandes as chances de minhas figurinhas do Zequinha (das balas) também estarem no baú.
Como se percebe, os arqueólogos não vão encontrar grande coisa por lá. Talvez fiquem curiosos: por que alguém esconderia objetos sem valor? De fato, aquelas miudezas nunca tiveram grande valor econômico, mas tinham um valor sentimental inestimável. As moedas de réis foram as primeiras de uma coleção que tive na infância, compradas com o meu pai, na Feira Hippie. A medalha da Olimpíada Escolar significou bastante, já que sempre gostei muito de esportes, mas nunca fui um grande atleta. O cristal de quartzo foi presente de minha saudosa avó paterna, que acreditava (entre muitas outras coisas) na energia dos cristais. E as figurinhas do Zequinha me foram dadas por meu avô paterno, num tempo difícil, em que qualquer distração era bem-vinda.
“Acontece muito não darmos o justo valor ao que temos, enquanto o temos; mas, despojados daquilo, exagerar-lhe então o valor, até descobrirmos a exata medida da excelência que a posse não nos revelara, enquanto nossa”, escreveu Shakespeare. Pois hoje descobri a exata medida da excelência, o exato valor daqueles objetos enterrados: foram um tesouro perfeito para um menino de oito ou nove anos. Já as lembranças que aquelas relíquias evocam compõem um tesouro perfeito para este homem de quase trinta. Encontrei o mapa, desenterrei o real tesouro: os verdadeiros tesouros da vida seguem sempre conosco, mesmo fora do alcance das mãos ou dos olhos, e têm seu valor aferido na medida do nosso próprio valor, e são guardados em um baú do tamanho da nossa grandeza.
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Agudas
– “O valor oculto pouco difere da inércia enterrada.” (Horácio)
– “A riqueza de um homem está no seu coração. É em seu coração que ele é o rei do mundo. Viver não exige a posse de tantas coisas.” (Jean Giono)
– Qual é o seu tesouro?
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