Consumidor não é pato!
Que atire a primeira sacola plástica quem nunca passou pela seguinte sequência de acontecimentos: 1) animado(a) por uma promoção anunciada em letras garrafais na gôndola do supermercado (nunca tão boa quanto parece, já que o alarde engana), você aproveita para levar várias unidades do produto em oferta; 2) ao passar as compras pelo caixa do super-mega-ultra-hiper-mercado, você percebe que por tal produto não é cobrado o preço promocional, mas um preço obviamente superior; 3) você alerta o(a) atendente sobre o “erro” na cobrança; 4) o(a) atendente acende uma luzinha no painel e diz que precisa esperar o “supervisor” para confirmar e corrigir o “erro” ou “cancelar o item”; 5) o(a) atendente e os consumidores que estão atrás de você na fila, percebendo que o imbróglio pode demorar a ser desembrulhado, pois não há sinal do “supervisor”, começam a tossir forçadamente e murmurar o que parece ser “mão-de-vaca, atrapalhando a minha vida por causa de cinquenta centavos”; 6) sentindo-se mal pelo inconveniente, você pede desculpas a todos os presentes e resolve pagar logo os cinquenta centavos a mais, até porque a culpa provavelmente é sua mesmo, que não leu a frase minúscula que seguia um asterisco, logo abaixo das letras garrafais, informando que a promoção se aplica a todos os produtos da gôndola, “exceto aos que você for levar”.
Eu era assim — era! Casado há pouco mais de um ano, venho aprendendo muito com minha esposa. Ainda não passo na disciplina de Organização, mas já melhorei minhas notas em matéria de Consumo Atento. Antes do casamento, eu não era um consumidor muito ligado. Perdi as contas (aliás, sou especialista em perder as contas) de quantas vezes eu levei semanas para perceber que havia pagado mais do que devia nas compras, ao jogar fora os comprovantes emitidos pelos mercados – que insistia em guardar, para não fazer nada com eles. Eu era um pato, caía de bico em qualquer armadilha de consumo e pagava todos os patos. Minha esposa arrancou minhas penas e me fez perder a inocência – mercadologicamente, é claro.
No início de nossas compras como casal, quando ela interrompia o(a) caixa do supermercado para reclamar de algum preço “errado”, eu tentava demovê-la: “Eu pago os cinquenta centavos, amor, deixa isso pra lá”. E saíamos do mercado discutindo: ela afirmava que o estabelecimento fazia esse tipo de coisa intencionalmente; eu, numa mistura de advogado do diabo com Poliana, argumentava que devia se tratar de alguma falha operacional, que não havia má intenção por parte da firma. Mil compras depois, diante de novecentas e noventa e nove “falhas operacionais” (sem exagero, verificamos quase um “erro” por compra), eu finalmente fui convencido de que há algo estranho.
De fato, a desculpa da “falha operacional” cai da prateleira quando se percebe que o “erro” é sempre em benefício do mercado – o valor nunca é menor do que o anunciado. Além disso, o fato de o(a) caixa não poder corrigir o “erro” e nem “cancelar o item”, tendo de esperar um “supervisor” para fazê-lo, parece uma estratégia para enfiar-nos o “erro” carteira abaixo – num mundo em que tempo é dinheiro, cinquenta ou sessenta centavos parece um preço baixo para resolver rapidamente o problema. Mas o problema não é nosso! Afinal, por que é que o(a) caixa não pode “cancelar o item”? O mercado não confia nele(a) para isso? Mas confia para deixá-lo(a) cuidando do dinheiro do caixa?
Sim, este é um desabafo grasnado de um pato recentemente depenado. Ontem, fui vítima de dois “erros” de um supermercado. Eu até tinha tempo para esperar o “supervisor” conferir os preços promocionais dos produtos (que devem ter sido escritos com enormes letras vermelhas pelo próprio “supervisor”), mas resolvi apenas cancelar a compra dos itens, como protesto. A partir de agora, decidi que vou redobrar minha atenção aos preços no supermercado (e o pessoal da fila pode ficar à vontade para murmurar que sou chato), vou sempre cancelar a compra de itens com preços conflitantes e vou descobrir e dar preferência aos mercados que cumprem o que prometem. O problema não é pagar cinquenta centavos a mais. O problema é ser tratado como pato. Estou com a sacola cheia disso.
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Agudas
– “Pode-se enganar todo mundo durante algum tempo, e certas pessoas durante o tempo todo, mas não se pode enganar todo o mundo todo o tempo.” (Abraham Lincoln)
– “Quando se esfola um cliente deve-se deixar que alguma pele cresça no lugar, para que se possa esfolá-lo de novo.” (Nikita Krushev)
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E você? Já se sentiu um(a) pato(a) ao pagar a conta do mercado? Comente no blog, abaixo, ou pelo Twitter!