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Você tem uma boa ideia, reflete sobre ela, trabalha, desenvolve-a com muita inspiração e ainda mais transpiração e… bingo! Fica rico? Não, alguém rouba o produto do seu esforço: “Quem mandou pensar? Quem mandou trabalhar?”. É claro que você se sentiria mal, vítima de uma injustiça, de uma safadeza, de um crime. Você, uma pessoa honesta, nunca faria algo assim; afinal, você não faz aos outros o que não gostaria que fosse feito a você, não é mesmo? Por exemplo, você não comercializaria ou compraria um CD ou um DVD pirata, nem baixaria ilegalmente pela internet o produto do esforço de outras pessoas, não é? Eu ouvi um “aí é diferente”? Por que é diferente? “Porque pagar R$ 50 pelo DVD original é muito caro”. De fato, não é barato. Mas… Primeiro, na esmagadora maioria dos casos, você só vai assistir ao filme uma vez. Então, por que não alugá-lo, em uma locadora que dá empregos, que paga seus impostos, por R$ 5, e ainda sair limpo dessa? Segundo, pagar R$ 50 pelo exemplar de um produto do gênio humano em que se investiu tanto, para tê-lo em casa e poder exibi-lo à vontade, não é tão caro. Uma dúzia de rosas custa isso. E as rosas não falam e ainda morrem. “Ah, mas a indústria cinematográfica já está muito rica…”. Não vou me alongar em relação à indevida generalização contida na tal “indústria cinematográfica”, mas uso um argumento mais prosaico: ok, o dono da pizzaria mais bacana da cidade também está rico, e nem por isso você vai lá roubar uma pizza; ao contrário, você vai pagar os R$ 50 pela pizza, vai comê-la assistindo ao filme e ela vai desaparecer, diferentemente do DVD. E, se fosse para roubar algo, que fosse a pizza, afinal, comer costuma estar à frente de se divertir na ordem humana de prioridades. Ou não? E ser honesto não entra nas prioridades?

Agora, imagine que você é proprietário de uma casa de espetáculos. Paga seus tributos, dá empregos a diversas pessoas. Aí você contrata um artista famoso para fazer um show no seu estabelecimento. Custa caro: o cachê é alto (e ele merece, pois é um grande artista), é preciso alugar equipamentos, reforçar a segurança, contar com um número indevido de “meias-entradas”, etc. No dia do show, um bando de gente resolve abrir um buraco no portão e entrar sem pagar ingresso, de graça, na faixa. Dizem que não vão pagar nada porque o preço do ingresso é abusivo. Que têm direito à cultura. Oba-oba! Imagine o mesmo com um jogo de futebol, em que a torcida invade o estádio sem ingresso, ou com uma sessão de filme, em que parte do público entra pela porta dos fundos do cinema, sem pagar. E os honestos “otários” pagando, e alguém tendo prejuízo. Sacanagem, não é? Você não faria algo desse tipo, certamente. Nem em uma variação aparentemente “menos grave”, como “roubar” o sinal da TV a cabo, certo? Eu ouvi um “aí é diferente”? Não vou entrar nessa de novo. Não é diferente. É desonesto, para não usar a palavra mais adequada, ainda um tanto capenga por conta dos atrasos jurídico-legais: é crime. A esse respeito, ontem a Gazeta do Povo publicou que a “‘Gatonet’ tem 1 milhão de terminais no país”. Pobres dos gatos. Prefiro chamar essa rede de desonestidade de “Estelionet”.

Sim, todos nós temos direito à cultura, à informação. Mas quem é obrigado a fornecer meios para o exercício desses direitos é o Estado. E eles existem, ainda que possam ser questionados. Quer ver um show de graça? Tem lá na praça! Mas, para ir à casa de espetáculos, assistir ao show do pop-star, tem que pagar! E, se a grana está curta, paciência! Junte dinheiro e vá ao próximo! A TV fechada é…tchan-tchan-tchan-tchan…fechada! Quer entrar? Tem que pagar! Quer programação gratuita? Tem no ar, é só sintonizar! A pizza do restaurante bacana é cara? Você não rouba a pizza, você paga por um hot-dog da barraca da esquina. No final do mês, reúne os trocados e se esbalda num rodízio de pizza. Eu faço isso, a maior parte das pessoas faz isso. Gente honesta vive como pode, sem prejudicar os outros.

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Infelizmente, muitas pessoas têm uma visão estreita e não percebem que estão prejudicando o próximo — e a sociedade. Não se colocam no lugar dos outros, no lugar, por exemplo, do compositor que tem a sua música pirateada e não recebe o devido por sua criação – pois os intérpretes ganham muito com shows, mas o inspirado compositor ouve sua música estourada e fica só no “show me the money”. Muitas pessoas não percebem a amplitude de suas ações. Se ninguém pagasse pela TV a cabo, ela deixaria de existir e não teríamos um monte de bons programas. Se ninguém visse filmes por meios legais e devidamente remunerados, boa parte das produções deixaria de ser realizada, já que ninguém trabalha de graça. Ao contrário, se todos pagarem, teremos mais produção, mais impostos recolhidos, mais empregos formais – e, quem sabe (oxalá), até menores preços.

De novo, o preço… Ser honesto pode custar caro, mas vale muito, não tem preço. Vamos nos basear na relação custo-benefício, temperada com honestidade. Por exemplo: supondo que a TV a cabo custe R$ 180 por mês, e, sendo conservador, o pai passe uma hora por dia na frente da tevê, assistindo ao programa esportivo, a mãe fique duas horas vendo os seriados, o filho fique três horas vendo desenhos animados. Por dia, essa família assiste a seis horas de programação de tevê fechada, por R$ 6, um real para cada hora de televisão. É caro? Por qual outro entretenimento você paga R$ 1 por hora? Cinema a um real? Show a um real? Onde? Não acho tão caro pagar a TV a cabo pelo que ela oferece. É claro que eu gostaria de pagar menos. Todo mundo quer pagar menos – mas quem pode reclamar é quem paga. O problema é não querer pagar. Quando não vale a pena comprar algo, não se compra, mas também não se tem – a não ser que se roube. Quando eu perceber que não estou aproveitando a TV a cabo adequadamente, que não está compensando pagar tanto por ela, deixo de assinar e fico com a TV aberta – e com a minha consciência tranquila. O mesmo vale, por exemplo, para o editor de texto em que escrevo estas linhas. Trabalho escrevendo, o programa de edição de texto é minha ferramenta profissional. Se eu fosse um mecânico honesto, compraria os alicates e as chaves de fenda para exercer meu ofício, não roubaria as ferramentas. Como sou um escriba honesto, compro o editor de texto, não o baixo ilegalmente. Simples assim.

O pior é que boa parte das pessoas que compra filmes pirateados, ou que baixa músicas ilegalmente, ou que assiste à tal “Gatonet” (ou melhor, “Estelionet”), é gente com condições financeiras de adquirir produtos originais e pagar pela TV a cabo. E pessoas que depois reclamam, indignadas, dos desvios dos governantes, dos gatos feitos pelos burocratas para desviar nosso dinheiro… Temos o que merecemos. Essa é a triste verdade. Enquanto todos nós não nos tocarmos de que tudo está relacionado, de que “gatear” o sinal da TV a cabo é errado, de que comprar um filme pirata é errado, de que uma coisa leva à outra, enquanto tiver gente orgulhosa de sua “esperteza”, enquanto ser honesto for sinônimo de ser “otário”, estaremos condenados ao atraso. E seguiremos vivendo numa sociedade amarrada por um emaranhado de fios de desonestidade, num país “gateado”.

P.S.: Sim, eu também já comprei CD pirata, também já baixei filmes da internet, mas não faço isso há um bom tempo. É preciso ser honesto, não apenas com os outros, mas consigo mesmo. É preciso ter humildade para reconhecer nossos erros e procurar corrigir nossas condutas. A sociedade só vai evoluir quando cada um de nós evoluir. E a evolução começa por coisas simples, a roda começa a girar na direção certa com esforços aparentemente pequenos, como quando desligamos um cabo indevidamente conectado.