Dia desses, ouvi um dedicado funcionário público desabafar sua decepção. Ele reclamou que alguns colegas de trabalho, antes profissionais empenhados, passaram a chegar à repartição muito mais tarde e sair muito mais cedo – e, entre um momento e outro, passaram a enrolar o quanto podem. A explicação: seguem o mau exemplo de um “superior” (que, de superior, só tem a pose e o salário). “Se ele, que é mais antigo, ganha mais e deveria ter mais responsabilidade, age assim, por que precisamos nos esforçar?”, justificam-se, aderindo à desculpa mais torpe de todas, analisada pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior em artigo recente: “Por que eu não?”. Uma resposta: porque vocês prestam serviço público! Uma pergunta: se o “superior” se jogasse da janela, vocês fariam o mesmo?
Sei que há muita gente honrada e comprometida no setor público, que merece todo o respeito. Mas também há muita Maria Candelária (de nomes e postos variados), que, como canta a marchinha, “à uma vai ao dentista, às duas vai ao café, às três vai à modista, às quatro assina o ponto e dá no pé”. O maior problema é que esse tipo de comportamento se espalha como bolor, e as “maçãs podres” estragam as demais, contaminando-as por meio do mau exemplo – em todos os ramos da sociedade.
Contribui para essa podridão quase generalizada a convicção de que “o exemplo vem de cima”. Como quase tudo na vida, isso é relativo. Quem está “em cima” tem mais destaque, é mais utilizado como referência por outras pessoas, e, por isso, tem reforçado o dever de agir corretamente – como diriam Voltaire, Roosevelt e até o tio do Homem-Aranha, “com um grande poder vem uma grande responsabilidade”. Mas isso não significa que os demais não devam ser responsáveis. Todos nós devemos ter responsabilidade. O bom exemplo tem que vir de cima, de baixo, dos lados, de todas as direções.
O exemplo também vem do meio. É o que está por trás da Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows), dos norte-americanos James Wilson e George Kelling, que relaciona a desordem e a criminalidade: se uma janela quebrada num prédio é ignorada, o aparente abandono motiva a delinquência, e, logo, todas as janelas estarão quebradas. Com base nisso, há cerca de três anos, foi realizada uma interessante pesquisa na Holanda. Foram montadas duas situações no centro de uma cidade holandesa. Na primeira, folhetos foram colocados em bicicletas que estavam paradas em um beco sem pichações e também em um beco todo pichado. O que aconteceu: no beco limpo, 33% dos ciclistas jogaram o papel no chão; no beco de paredes sujas, o número subiu para 69%. Na segunda situação, colocou-se um envelope na abertura de uma caixa de correio, com uma cédula de dinheiro aparecendo. Com a caixa de correio limpa, 13% das pessoas que passaram pelo local furtaram o envelope. Depois, pichou-se a caixa, e o índice de furtos aumentou para 27%.
Uma coisa puxa a outra. Um comportamento ruim atrai outro. Um mau exemplo gera outro mau exemplo. E, de maçã podre em maçã podre, contamina-se toda uma cultura. Em visita recente à seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Paraná), durante uma entrevista, Miguel Reale Júnior perguntou e respondeu: “Por que será que todo brasileiro, quando vai para a Europa, começa a respeitar a faixa de pedestres lá? Na Europa, o brasileiro não joga papel no chão, respeita a faixa. O ambiente cultural e moral penetra, e o brasileiro, que é desrespeitoso e arrogante, para na faixa, em Paris. Mas aqui não para. E ainda xinga o pedestre”. É verdade. Para mudar isso, é preciso que todos nós assumamos nossas responsabilidades e passemos a dar o bom exemplo. Se o bom exemplo não vem “de cima”, precisamos colocar abaixo quem lá está – temos instrumentos democráticos para isso. Só não podemos deixar que nossa política seja emporcalhada, que nosso serviço público seja quebrado, que nossa sociedade seja pichada, que nossos valores sejam furtados. Se o político canalha diz que cometeu uma falcatrua porque “a prática era essa”, porque “todos os outros aprovaram”, nós precisamos mostrar a ele que a prática correta é outra, nós é que temos o dever de reprová-lo.
Numa festa, quem dita o traje é o anfitrião. Mas ele será forçado a trocar de roupa, se os convidados, juntos, resolverem se vestir de outra maneira. É por aí. Se os “de cima” estão despidos de princípios e vestem caras-de-pau, não precisamos seguir a moda. Vamos trajar a capa da cidadania e forçá-los a trocar de roupa – ou saírem nus pelas portas dos fundos. Vamos parar de lavar as nossas mãos, sujando nossa dignidade.
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Agudas
– “O caminho da sabedoria é longo através de preceitos, breve e eficaz através de exemplos.” (Sêneca)
– “Não há modo de mandar mais forte e suave que o exemplo: persuade sem retórica, impele sem violência, convence sem debate, todas as dúvidas desata e corta caladamente todas as desculpas. Pelo contrário, fazer uma coisa e mandar ou aconselhar outra é querer endireitar a sombra da vara torcida.” (Padre Manuel Bernardes)
– “O exemplo é a escola da humanidade; ela não aprenderá por nenhuma outra.” (Edmund Burke)
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Como alguns de vocês podem ter notado, não houve crônica na segunda-feira. Desculpem-me por não ter avisado antes. Por conta de alguns novos projetos profissionais, passarei a publicar novas crônicas no blog apenas às sextas-feiras. Mas seguirei dando meus pitacos quase diários no Twitter!
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