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Minha casa, minha vida…

Vinícius André Dias
A casa em que cresci…

Foi vendida a casa em que cresci. Da última vez em que lá estive, sabendo da possibilidade de venda, chorei como criança. Nada de novo: muitas vezes aquelas janelas refletiram o meu rosto de menino chorão. Nenhuma lágrima pelo adeus ao “patrimônio”. Todas elas, pela saudade do tempo em que eu corria por aquelas escadas e corredores, descobrindo passagens secretas e me escondendo nos infinitos cantos. Para um guri, aquele enorme sobrado parecia um novo mundo, que eu desbravei e onde finquei minha bandeira.

Aquela foi a primeira casa que chamei de minha. Até os cinco anos, mudei com a família três vezes de cidade: Curitiba, Campo Grande e Cuiabá. Veio o grande acidente. Minha mãe foi para a cadeira de rodas e eu fui com ela para Cascavel, morar com minha avó e meu avô maternos. E cheguei, finalmente, a um porto seguro, à terra firme do grande jardim daquela casa – onde muitos dos meus velhos tesouros estão enterrados.

Foi naquele quintal que eu fui perseguido por um enxame de abelhas, foi naquela escadaria que eu paguei a promessa (subindo e descendo, dez vezes, de joelhos) pelo título do Botafogo no Campeonato Brasileiro de 1995, foi naquele piano que eu aprendi a tocar a música das vitórias do Ayrton Senna (a única que sei tocar, até hoje), foi naquela garagem que eu bati um carro pela primeira vez, foi naquela piscina que eu comecei a nadar. Foi naquela casa que eu li os primeiros livros, ouvi os primeiros discos, fiz os primeiros amigos, sonhei com as primeiras paixões, sofri com as primeiras perdas.

Há mais de dez anos, deixei Cascavel para voltar à minha Curitiba natal. Minha mãe e minha avó já se mudaram da casa há um bom tempo – meu avô as acompanha no coração. Mas, sempre que as visitava, não deixava de visitar também o palco de minha infância. A partir de agora, só pelo lado de fora, como quem visita um teatro em dia de faxina. Tudo bem. A faxina é necessária. Faz com que se abra espaço para o que é mais importante. As camas podem ir para lá, o piano pode vir para cá, mas o fundamental é que os sentimentos não fiquem esquecidos em alguma caixa. A casa pode não ser engraçada, não ter teto, não ter nada. O lar, contudo, deve ser feito com muito esmero.

Foi vendida a casa em que cresci. Mas o lar em que fui criado segue comigo.

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