Eu ouço a mãe gritar com a filha.
“Você não me ouve!”
Eu ouço a mãe chorar em seguida.
“Ela não me ouve…”
Eu ouço a janela se abrir.
Tosse. Tosse. Tosse.
Eu sinto o cheiro do cigarro subir.
“Onde foi que eu errei com essa menina?”
Eu é que sei?
“Meu Deus, você me ouve aí em cima? Só falta o Senhor não me ouvir também…”
Ele, eu não sei. Eu, infelizmente, ouço.
“Vou falar mesmo assim…”
Fala que eu te escuto. Ainda que eu não queira.
“Eu queria uma luz…”
E eu queria dormir.
“Ela me irrita…”
Você me irrita.
“Acho que é porque somos muito parecidas… Vejo meus defeitos nela.”
Eu ouço os seus defeitos. E sinto o cheiro deles.
“Grito muito com ela…”
Grita mesmo.
“Às vezes, acho que ela me odeia…”
Ela não é a única.
“Mas ela é minha filha, e eu a amo tanto!”
Eu ouço a mãe chorar.
“Somos só nós duas, o pai dela foi embora, o Senhor sabe…”
Ele deve saber, eu não sabia.
“E é tão difícil criar uma filha sozinha…”
É… E sei como é difícil ser criado sozinho também.
“Às vezes, penso em desistir…”
Todos nós pensamos.
“Às vezes, sinto que não tenho forças…”
Eu sinto o peito apertado. Vou para a janela respirar.
“Me dá um sinal, meu Deus, de que as coisas vão melhorar…”
Se eu fosse Ele, daria.
“Por favor, qualquer coisa, Pai do Céu…”
Uma lágrima escorre pelo meu rosto e cai.
“Preciso saber que o Senhor está aí, que me ouve…”
Minha lágrima cai sobre o cigarro da mãe, apagando-o.
A mãe se assusta, olha pra cima.
Eu me escondo rapidamente. Acho que ela não me viu.
A mãe começa a chorar novamente, mas de um jeito diferente: ela chora e ri.
Eu ouço a mãe bater numa porta.
“Filha, filha, abre, meu amor…”
Eu ouço uma porta se abrir.
“Filha, perdoa a mãe. Eu te amo.”
Eu ouço um choro infantil agora, deve ser a filha.
“Eu também te amo, mãe. Desculpa…”
Os dois choros se confundem. Acho que se abraçaram.
“Nós vamos ficar bem, filha. Deus está com a gente. Ele nos ouve…”
Eu começo a rir e a chorar. Deus nos ouve.