O UFC até pode ser coisa de louco, mas, como todo mundo, eu também tenho um pouco de louco. Aliás, talvez tenha muito de louco, pois sou pacífico, tenho pavor de sangue, nunca me meti em briga, mas confesso que gosto de assistir a algumas lutas das tais Mixed Martial Arts (Artes Marciais Mistas) ou MMA, que estão em evidência depois da recente passagem do Ultimate Fighting Championship (UFC), principal evento da modalidade, pelo Brasil. Repito: gosto de algumas lutas. Quais? Principalmente aquelas que apresentam mais técnica e menos sangue, aquelas em que não se arrebenta o adversário depois que ele já está caído. Enfim, aquelas que parecem lutas mesmo, não brigas.
Assisti em um bar de Curitiba ao UFC que ocorreu no Rio de Janeiro, no final do mês passado. Durante uma das lutas, enquanto os lutadores se batiam, lembrei-me dos meus tempos de escola, na década de 1990. Toda semana havia brigas nas imediações do colégio. Eu ficava aterrorizado com a possibilidade de me envolver em algumas delas, de ouvir o temível “te pego na esquina”. Por incrível que pareça, meu medo maior não era de apanhar, mas de bater. Nunca suportei a possibilidade de machucar alguém voluntariamente. Quando eu brigava com meu irmão mais novo, dava socos em seus braços, mas nunca ousei atingi-lo de forma mais contundente. Ou melhor, reconheço: uma única vez, depois de uma sessão de provocações, eu acertei um soco no nariz do meu irmão. Tínhamos uns 12 anos. Até hoje recordo a dor que senti ao perceber a dor que o havia feito sentir. Fiquei apavorado com o sangue, e eu mesmo o levei até minha mãe – chorando mais do que ele.
Naqueles tempos, eu via nas brigas de escola uma espécie de “código de conduta”. No fundo, ninguém parecia querer machucar e ser machucado – às vezes, os contendores ficavam apenas se encarando, empurrando-se, visivelmente esperando que alguém os separasse o mais rápido possível. Quando acontecia de alguém acertar o adversário, derrubando-o, a briga parava até que o outro se levantasse – era como o bom e velho boxe que eu assistia de madrugada. Se alguém sangrasse, quase que se pediam desculpas pela violência. Mais tarde, já saindo da escola, comecei a perceber que a coisa estava ficando mais séria, que o empurra-empurra estava virando briga de rua mesmo, com direito a soqueiras de metal e tacos de baseball – lembro-me até de um briguento que apareceu com tachinhas adaptadas nos bicos de seus tênis. Era o início da era da covardia – uma era que, infelizmente, ainda é. Nessa mesma época (coincidência?), começou a se popularizar o Vale-Tudo, luta de nome autoexplicativo: valia (praticamente) tudo mesmo. Até cheguei a assistir a algumas dessas lutas, mas não tive estômago para continuar: aquilo não era luta, era selvageria. Desisti de acompanhar a modalidade no dia em que vi um lutador “bater um pênalti”, com a cabeça do adversário como bola. Felizmente, a “bola” não saiu do estádio. Mas eu saí da frente da televisão.
Só voltei a assistir à modalidade quando ela mudou de cara (continua deformada, mas as plásticas já a fazem até simpática), chutando para fora o “vale-tudo” e acabando com alguns golpes covardes, como o pontapé na cabeça do adversário caído. Hoje, acho até que as MMA, rigidamente reguladas, podem servir para baixar a febre de violência que sempre esquentou os ânimos da humanidade. É fato: infelizmente, nunca vivemos em um mundo perfeito, com pôneis benditos saltitando alegres e gente se abraçando em ringues de harmonia. E não dá para nadar contra uma corrente tão forte quanto a criada por essa modalidade, que cresce a olhos vistos (e roxos) no mundo todo. Proibir esse tipo de evento de luta, como alguns defendem, seria um soco no próprio rosto: na clandestinidade, a coisa ficaria ainda mais feia. O jeito é usar a modalidade de maneira positiva, estimulando um direcionamento menos perigoso da ferocidade que transborda de alguns. É como dizem: “não brigue, lute” (da mesma forma que se diz, para quem gosta de dirigir em altas velocidades: “se quer correr, vá para o autódromo”). Para isso, é fundamental que as MMA tenham (já têm, mas é preciso reforçar cada vez mais) princípios e regras rígidas, eventos bem organizados e fiscalizados, com médicos e juízes preocupados em preservar (na maior medida possível) a integridade física dos participantes, e lutadores que se esforcem para mostrar que pode existir um esporte por trás da pancadaria (o Milton Neves duvida e chama a modalidade de “não-esporte”), tratando-se com respeito e pregando (e praticando) a não-violência fora dos octógonos. Como escreveu o jornalista Sidney Rezende, em artigo sobre o UFC: “A recomendação mais sensata não é acabar com lutas, que existem desde que o ser humano passou a viver em grupo, mas impor regras absolutamente dignas e que impeçam a destruição da vida humana sadia”.
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Agudas
– Fui instigado a escrever este post por um leitor do blog, que, ao comentar o texto da semana passada (A pergunta difícil do menino sujo), pediu minha opinião sobre o UFC. Ele escreveu que, assistindo ao evento, ficou “extremamente assustado com a reação do público”, já que, enquanto um lutador “macetava o rosto do oponente, a multidão gritava enaltecida, enfurecida e vibrante”. E completou: “Fiquei muito chateado por perceber que continuamos sendo ‘homens das cavernas’”. De fato. Confesso que também tenho um pouco de homem das cavernas (todos temos, em alguma medida, creio) e vibrei com as vitórias dos brasileiros – mas também fico agoniado com os golpes mais violentos, como os socos no rosto do lutador caído (acho que os juízes deveriam interferir com ainda mais rapidez do que fazem hoje).
– Aliás, soube que houve briga entre os clientes do bar em que assisti ao UFC Rio, depois que eu já havia ido embora. Pode ter sido por conta da inflamação dos ânimos causada pelo evento? Pode. Mas esse tipo de coisa acontece (até em maior dimensão) em jogos de futebol, por exemplo – já soube de briga até em bingo de igreja. A culpa não é do evento, mas de algumas pessoas descontroladas, incapazes de refrear instintos e resolver conflitos por meio do diálogo, covardes que chutariam um “oponente” caído, estivessem eles em um bar, em um ringue, em um estádio, no trânsito ou em casa.
– Há quem diga que as MMA estão acabando com o boxe. Se não estão, parece, infelizmente. Sou do tempo em que se ficava acordado até altas horas da madrugada para ver o Mike Tyson nocautear o adversário em 30 segundos, sem tanto sangue como se vê nos octógonos de hoje. Aliás, eu gostaria mais das MMA se fosse adotada a regra do boxe que dá 10 segundos para o agredido se levantar antes de ser confirmado o nocaute. Poderiam ser cinco segundos. Não levantou? Nocaute! Essa regra protegeria o lutador de continuar levando pancadas enquanto estivesse caído – uma cena que impede que muita gente goste da modalidade. O agressor só poderia ir para cima do adversário caído se fosse para imobilizá-lo, forçando a desistência, com técnicas de jiu-jitsu, por exemplo. Enfim, acho que as MMA (sobretudo, via UFC, por ser o maior evento do gênero) vão conquistar ainda mais adeptos quando tiverem menos sangue e menos golpes vistos como covardes por boa parte das pessoas (eu, inclusive), sobretudo os que atingem o adversário caído. E quem quiser ver muito sangue, que vá para um açougue. E quem quiser golpear gente no chão, pelo simples prazer de machucar seu semelhante (os lutadores de verdade não sentem prazer em agredir o outro, apenas querem vencer a luta), que vá para a cadeia – ou para o hospício.
– Escrevi tudo isso, mas não sou especialista. Sou apenas um espectador que gosta um pouco e se preocupa muito com as MMA. Para acompanhar notícias sobre a modalidade, com opinião de gente especializada, recomendo outro blog deste portal: Luta Livre.
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