Há algumas semanas o DIRPOL (Núcleo de Direito e Política da Faculdade de Direito – UFPR) recebeu a Prof. Dra. Mariana Mota Prado, Professora Associada da Universidade de Toronto. Sua pesquisa trata de instituições e mudanças institucionais e faz profundas reflexões sobre o funcionamento do Estado e da gestão pública. Tem diversos trabalhos publicados, cujos links podem ser acessados aqui.
A pedido deste blog, a Prof. Mariana elaborou um texto sobre o combate à corrupção no Brasil. As impressões são corretas e oportunas. E retira algumas imagens de “senso comum” que possuímos sobre o assunto. A leitura é importante e bastante válida.
***
Combate à Corrupção no Brasil
(texto da Prof. Mariana Mota Prado, da Universidade de Toronto)
No início de novembro tive a oportunidade de visitar Curitiba para participar do Fórum de Transparência e Competitividade Promovido pela FIEP. A convite de Rodrigo Kanayama, apresento aqui um dos pontos que levantei no evento.
Como combater a corrupção? Muita gente tem uma visão moralista da corrupção, ou seja, acredita-se que é um fenômeno que vem da boa educação e dos valores morais daqueles que administram o patrimônio público. Essa visão é a que prevalece hoje em dia no Brasil, como mostra uma pesquisa do Centro de Referência do Interesse Público em parceria com o Vox Populi datada de 2008 e 2009. Diante da afirmação: “Corrupção e honestidade vem de berço. Ou a pessoa é corrupta ou não é.” 33% dos entrevistados concordaram totalmente e 17% concordaram em parte.
O Brasil, todavia, nem sempre subscreveu a essa visão moralista da corrupção. O professor da UFMG, Leonardo Avritzer mostra que até 1945 havia uma concepção institucionalista da corrupção, ou seja, a pessoa agia de maneira corrupta porque as regras do sistema criavam incentivos para tanto. Como afirma Avritzer: “Essa percepção [institucionalista] mudou a partir de 1945, quando a oposição ao governo Vargas intensificou sua campanha, baseada em uma nova ideia de corrupção: ‘Corruptos eram os indivíduos (…) Expulsos o presidente e seus aliados, voltaria a correr água cristalina nas tubulações da República’” (Avritzer, 2011)
Enquanto a primeira visão veria como solução ao problema uma mudança de valores da sociedade, através da educação e potencialmente de campanhas de conscientização, a segunda visão sugere que mudanças das regras do jogo poderiam gerar mudanças efetivas. Ou seja, na visão institucionalista, a corrupção acontece porque o benefício é alto e o custo é baixo. Portanto, para combater a corrupção é necessário reduzir os benefícios e aumentar os custos. A redução dos benefícios exige uma série de reformas complexas no nosso sistema, como o financiamento de campanhas políticas. Os custos, por outro lado, exigem a punição efetiva daqueles que se envolverem com corrupção. Já na visão moralista, o problema é cultural – ou seja, o indivíduo vai se comportar de uma forma ou de outra independente do contexto em que se encontra.
É importante notar que essas duas visões não são mutuamente excludentes. Há um estudo publicado em 2006 que mostra como a cultura influencia o comportamento dos seus cidadãos. Os dois autores do estudo, Raymond Fisman e Edward Miguel, analisaram o comportamento de diplomatas de vários países nas Nações Unidas, em Nova Iorque. Basicamente, esses diplomatas não eram obrigados por lei a pagar as multas de trânsito que recebiam na cidade (um tipo de imunidade diplomática). O resultado do estudo foi revelador: os países com baixos índices de corrupção tinham poucas infrações e tinham pagado as poucas multas recebidas, apesar de não serem obrigados por lei a fazê-lo. Já os diplomatas oriundos de países com altos índices de corrupção tinham várias infrações (como por exemplo, estacionar em locais proibidos) e raramente pagavam as multas recebidas. A conclusão dos pesquisadores foi a seguinte: nos países onde as pessoas agem conforme a lei, há menos corrupção porque as pessoas tendem a agir de maneira correta mesmo que não haja qualquer tipo de punição.
Qual a conclusão que devemos tirar desse estudo? Uma possível conclusão — que eu acho equivocada — é que algumas sociedades reforçam valores morais que incentivam a corrupção e, por isso, sempre foram e sempre serão corruptas. Casos de sucesso no combate a corrupção, como Hong Kong, mostram que esse tipo de determinismo ignora o fato de que grande parte da forma como as pessoas se comportam é determinado por um sistema de benefícios e custos. Esse sistema pode ser formal ou informal. O sistema informal é o que chamamos de cultura, ou seja, regras sociais aplicadas e reforçadas diariamente pelos círculos sociais que as pessoas frequentam. Portanto, a cultura é apenas um outro esquema de incentivos e punições, aplicado pelas pessoas no seu dia-a-dia, ao invés de ser aplicado pelo Estado. É um sistema informal de leis. Um exemplo claro é a pontualidade. Há pouca preocupação com pontualidade no Brasil. Todo mundo interpreta isso como parte da cultura brasileira. Mas todos os brasileiros que eu conheço conseguem ser extremamente pontuais quando estão no Canadá ou nos Estados Unidos. Por quê? Porque há um sistema informal que exige pontualidade, e as pessoas adaptam seu comportamento ao sistema no qual elas se encontram.
Nesse sentido, a corrupção é um fenômeno cultural e a cultura (lei informal) é importante porque ela pode afetar a lei formal. A lei estabelecida pelo Congresso provavelmente será menos efetiva se o guarda de trânsito que pede uma caixinha não é repreendido pelos seus colegas e se os amigos do motorista que paga a caixinha também não acham que há algo de errado com aquela transação. Portanto, mudar a cultura é claramente parte da solução, pois aumenta os custos e reduz os benefícios sociais daquela prática e pode aumentar a eficácia da lei.
A questão é como fazê-lo. Muita gente acredita que essa mudança cultural é uma questão de valores. Ou seja, se as pessoas aprenderem a ser honestas, tudo vai mudar. O problema é que um indivíduo sozinho não consegue mudar a cultura de um país todo. Portanto, do ponto de vista de formulações de políticas públicas, precisamos de algo mais efetivo e imediato do que aguardar que todos os indivíduos de uma nação decidam, individualmente, mudar a forma como eles agem. É preciso uma mudança coletiva, ou seja, todo mundo tem que passar a agir de outra forma simultaneamente. Por esse motivo, nossa preocupação com corrupção precisa se traduzir em uma discussão sobre como podemos mudar os incentivos que existem no nosso sistema político e tornar mais efetivas as sanções no nosso sistema jurídico. Ou seja, reformas institucionais deveriam ser nossa prioridade no momento.
Prof. Mariana Mota Prado é bacharel em Direito pela USP (2000) e mestre (LLM) e doutora pela Universidade de Yale (Direito – 2002 e 2008). Atualmente é Professora Associada na Faculdade de Direito da Universidade de Toronto. Antes, trabalhou para a “Private Participation in Infrastructure Database Project at the World Bank (2004)”, e foi pesquisadora do “Olin Center for Law, Economics and Public Policy at Yale Law School (2005)” (para acessar o currículo completo, clique aqui).
***
O blog Dinheiro Público agradece a primeira participação da Prof. Mariana.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião