O advogado Eduardo Mesquita Pereira Alves, por convite deste blog, contou um pouco da vida do estudante e do bacharel em Direito no Japão, onde estudou por mais de um ano, em intercâmbio entre a Faculdade de Direito da UFPR e Soka University. Eduardo foi meu orientando em monografia de final de curso (TCC) há dois anos e vem aprofundando seu estudo no Direito japonês (ao contrário deste blog, Eduardo é fluente na língua japonesa).
O tema de sua monografia de final de curso, aprovada com nota máxima, foi “Constituição e Constitucionalismo no Japão: Reflexões em torno do art. 9º, renúncia à guerra e autodefesa” (disponível aqui), que fez nascer artigo (a ser publicado), com minha parceria. Além disso, Eduardo mantém um blog (clique aqui), no qual compartilha sua experiência no Japão e seu contato com a cultura oriental.
Segue o relato sobre a educação jurídica japonesa.
O ensino jurídico no Japão adota uma sistemática bastante diferente do que vemos no Brasil, dividindo-se em dois níveis diferentes de educação superior. Há em primeiro lugar o curso de Direito em sentido amplo, que confere a titulação de Bacharel ao estudante, chamado hougakubu (法学部), que se dirige não apenas às carreiras jurídicas tradicionais, mas a uma formação mais básica que é necessária para muitos concursos no funcionalismo público, cargos em ministérios, diplomacia, política e etc. Por outro lado, existe um curso específico, houkagakuin (法科学院), já em nível de pós-graduação profissional, com titulação final de Juris Doctor, que é o requisito para a entrada nas três carreiras jurídicas tradicionais (advocacia, magistratura e promotoria).
O curso de Direito “básico” dura 4 anos, enquanto o da pós graduação profissional dura 2 anos. Entretanto, um fato interessante é que alunos não bacharéis em direito também pode cursar esse segundo nível, com a duração estendida a 3 anos. A entrada no curso específico depende de mais uma prova, como um novo vestibular ou ingresso no mestrado. Esse sistema foi introduzido em 2004 pelo reconhecimento do alto nível de especialização exigido pelas carreiras jurídicas, especialização essa que é materializada não só na extensa duração, como no currículo bastante exigente do houkagakuin (法科学院).
A seletividade das carreiras jurídicas no Japão muito maior que a vista no Brasil não está apenas nessa exigência de uma pós graduação em Direito, mas também nas restrições impostas pelo Ministério da Educação para a abertura e manutenção das “Law Schools”. São apenas 74 no país inteiro, das quais 6 são ocupam destaque nacional em qualidade de ensino e prestígio, três delas públicas (University of Tokyo, Kyoto University e Hitotsubashi University), e três privadas (Keio University, Chuo University e Waseda University), com número total de alunos variando entre 200 e 300 por turma. No total são apenas 5.800 alunos em um país de 120 milhões de habitantes.
No que diz respeito ao que é ensinado dentro de sala de aula, o que se observa é uma educação eminentemente teórica, inclusive porque muitos dos professores não tem experiência profissional. O cenário vem mudando inclusive com a divisão entre a pós graduação voltada às carreiras jurídicas e uma pós graduação voltada à pesquisa acadêmica.
De qualquer forma, após a conclusão dos dois níveis da educação jurídica, o estudante se qualifica para o Shihoushiken 司法試験, ou mais ou menos equivalente japonês ao nosso Exame de Ordem. Digo mais ou menos, pois é um teste obrigatório não apenas para quem quer ser advogado, mas também para aqueles que desejam ser promotores e juízes.
Além de ser uma prova extremamente difícil, alguns detalhes tornam esse teste muito mais rigoroso que o nosso Exame de Ordem. Primeiramente, o número de tentativas é bastante restrito, o egresso do houkaguin tem 3 tentativas dentro dos 5 anos a partir da conclusão do curso para obter a aprovação, perdidas as chances não é mais permitida a inscrição no exame. Além disso o critério de aprovação é complexo e leva em conta não um valor mínimo, mas sim uma nota de corte baseada na média dos candidatos para o preenchimento de uma quota fixa por ano.
Além dessas dificuldades o processo é uma verdadeira maratona, são 4 dias de provas, começando com a de múltipla escolha que dura 5 horas e meia e tem 165 questões. O segundo dia inicia as provas discursivas, com 6 horas para a resolução de questões de Direito Civil. No terceiro dia são mais 7 horas, 3 horas para a resolução de questões de uma disciplina escolhida pelo candidato e 4 horas para a prova de Direito Penal. Por fim, no último dias são 4 horas para resolução de questões de Direito Público.
A prova é feita em maio, o resultado, o resultado é divulgado apenas em setembro.
O índice de aprovação tem diminuído desde a criação do novo teste em 2006. Iniciou-se com uma taxa de 48% e hoje está em 23%, entretanto em números absolutos há um aumento, na primeira edição foram 1009 aprovados, na última 2.063. Antes da reforma do sistema de ensino jurídico em 2004 o índices de aprovação eram próximos de 5%. Assim como no Brasil, os cursinhos direcionados ao Exame são muito comuns.
Aprovado no Exame o candidato está habilitado para um período de 1 ano de treinamento sob a supervisão de um profissional da carreira que escolher, ou seja, vai estagiar com advogados, promotores ou juízes em um dos 50 locais autorizados pelo Ministérios da Educação.
Concluído o estágio satisfatoriamente o candidato é submetido a mais um Exame, e só após a aprovação nessa etapa ele obterá o direito de exercer uma das três profissões. Não é de se admirar que haja apenas 30.479 advogados e 484 escritórios de advocacia no país inteiro.
Em resumo, o estudante de direito japonês que ingressa no curso 18 anos só irá ingressar de fato em alguma carreira jurídica aos 26. São sete anos de estudo entre graduação, pós graduação e estágio obrigatório.
Fontes:
http://www.nichibenren.or.jp/legal_apprentice/lawyer.html
http://www.nichibenren.or.jp/library/ja/lawyer/date/houka.pdf
http://www.nichibenren.or.jp/library/ja/jfba_info/publication/data/himawari_pam03_1.pdf
http://www.nichibenren.or.jp/jfba_info/autonomy/zaisei.html
Eduardo Mesquita Pereira Alves é advogado, graduado em Direito pela UFPR, sócio da Sunye, Pereira Alves e Oliveira Viana – Sociedade de Advogados, e estudou na Soka University, de abril de 2010 a fevereiro de 2011. É autor do blog Nihon Go!
O blog Dinheiro Público agradece.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS