Na capital, o grupo combinou o encontro na Rua 31 de Março, dia do golpe militar (Brunno Covello/Agência de Notícias Gazeta do Povo)| Foto:
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A semana foi movimentada para manifestações favoráveis à “intervenção militar constitucional”. Embora seja um devaneio, e uma distorção do texto constitucional – porque, entre outras medidas, defende um golpe –, criou um terreno fértil para debates há muito enterrados.

Primeiro, levantou a questão da liberdade de expressão, da qual sou defensor. A despeito das ideias autoritárias, ultrapassadas, conservadoras, antidemocráticas, extremistas da “marcha” (que podem ser lidas aqui), penso que a liberdade de se expressar prevalece.

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Segundo, trouxe à baila a questão da intolerância com premissas democráticas. Posso discordar de políticas governamentais – como, de fato, o faço –, mas tenho que cumprir o que defende a Constituição. Trata-se de governos eleitos democraticamente, pelo voto popular. São governos legítimos. Qualquer tentativa de “intervenção militar constitucional” – seja lá o que isso signifique – é inconstitucional e viola condições democráticas. Portanto, é golpe de Estado.

Eu não sou o teórico mais versado para tratar do assunto da democracia. Por isso, convidei a Prof. Dra. Vera Karam de Chueiri, Professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFPR, para apresentar sua opinião. Vale a leitura e reflexão.

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A publicação da opinião dos organizadores da “marcha das famílias com Deus pela liberdade” nos meios de comunicação nos faz pensar imediatamente na democracia e seus desdobramentos como a liberdade de expressão, o conflito de opiniões e as diferentes concepções de bem. De fato, a democracia é o terreno fértil sobre o qual os estados constitucionais se estruturam e nesta combinação (democracia e constitucionalismo) alcançamos a necessária maturidade política. Chegar à maturidade política é uma tarefa cotidiana que não sem dificuldades reafirma o vigor da democracia através do nosso comprometimento com teorias e práticas democráticas, onde quer que exercitemos os nossos direitos fundamentais.
Neste sentido, o argumento dos que reorganizam a tal marcha das famílias deve ser rebatido em todas as suas premissas, vale dizer, tanto as teóricas quanto as práticas. As teóricas não se sustentam e não são aceitáveis, na medida em que desqualificam a democracia constitucional, atacando instituições como os poderes, constitucionalmente estruturados, nas suas diversas esferas: executiva, legislativa e a judicial. Ainda, faz uma interpretação distorcida das próprias Forças Armadas, pois, na democracia todas as institucionais são legítimas e dotadas de autoridade por causa da constituição e não a despeito dela. Na prática, o argumento clama por intervenções violentas nas diversas esferas do Estado, desrespeitando solenemente o pacto constitucional.
O Brasil experimenta um rico momento de debate democrático e o faz resgatando a memória e a verdade, relativamente aos períodos autoritários da sua história recente. De fato, o exercício do direito à memória e à verdade traz algum (ou muito) incômodo ao expor o abuso do poder, da força bruta e desmedida, da violência estatal autoritária e a tragédia que golpes como o foi o de 1964, representam para os estados em geral e, especificamente, representou para o Brasil. É, portanto, inaceitável uma Marcha que distorce os princípios e as práticas da liberdade de expressão e manifestação (o exercício dos direitos jamais pode significar o seu abuso) e reivindica o retorno a um estado de coisas obscuro, truculento e sanguinário.

Prof. Dra. Vera Karam De Chueiri é professora de Direito Constitucional da UFPR, Vice-Diretora da Faculdade de Direito, Coordenadora do Núcleo de Constitucionalismo e Democracia.

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