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O desligamento do governo brasileiro – shutdown, parte III
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Congresso Nacional

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Enquanto a política americana ainda está aquecida, com as negociações orçamentárias fervilhando (shutdown, teto da dívida, Obamacare), a nossa política do orçamento público engatinha. Comentou o leitor Emerson, no post anterior, que a democracia americana é madura, ao contrário da brasileira. Não posso discordar. Por muitos motivos (inclusive, claro, pela longevidade). 

A diferença entre o orçamento americano e o brasileiro é, essencialmente, o grau de equilíbrio entre os poderes Executivo e Legislativo. Nos Estados Unidos, o orçamento é do Legislativo. Embora a proposta seja do Executivo, pode ser alterada profundamente no Legislativo. No Brasil, o orçamento é do Presidente e pouco pode ser alterado no Legislativo.

O shutdown do governo americano expõe os riscos que se enfrenta numa democracia madura. Se não aprovada proposta orçamentária (e isso pode acontecer naturalmente), pouco pode despender o governo – mantém alguns serviços funcionando e funcionários trabalhando (embora sem receber salários). As despesas discricionárias (sem fundamento em lei que obrigue o gasto) não podem mais ser realizadas. Em outras palavras: se o povo, pelos representantes (o Legislativo), não concorda com a proposta do Presidente, ele não pode executá-la. Democrático.

No Brasil, não existe a figura do shutdown. Já se debateu entre doutrinadores (e mesmo nos tribunais) o que seria da gestão pública na ausência da lei orçamentária.

Em primeiro lugar, a lei orçamentária brasileira é anual (LOA), ou seja, vige por um ano, de janeiro a dezembro. Por ser anual, não pode ser prorrogada (parece óbvio, mas alguns estados-membros já tentaram prorrogar o “anual” para mais de um ano). Terminado o ano, requer-se nova LOA.

Em tese, inexistindo a LOA, o shutdown se imporia. Ora, se o Legislativo não aprovou o plano das despesas, autorizando o Executivo, este não poderá gastar (o plano não existe). Porém, não é isso que ocorre no Brasil.

Antevendo problemas nos debates orçamentários, a praxe do Executivo brasileiro é aprovar, no meio do ano, no texto da lei de diretrizes orçamentarias – LDO (a lei preparatória do orçamento) – despesas que continuarão a ser realizadas, independente de aprovação da LOA, a partir da sua proposta não aprovada. Em outras palavras, a LDO garante efetividade à LOA não aprovada no Legislativo, mesmo antes da proposta da LOA existir e mesmo não sendo formalmente lei.

Nesse ano, o Congresso ainda parlamentares queremnão aprovou a LDO 2014. Não obteve consenso necessário (os parlamentares querem a aprovação das “emendas individuais impositivas”). Mas, se aprovada a proposta de LDO na forma atual, as despesas que poderão ser executadas sem LOA, em duodécimos (um doze avos ao mês), serão, em 2014:

Art. 52. Se o Projeto de Lei Orçamentária de 2014 não for sancionado pelo Presidente da República até 31 de dezembro de 2013, a programação dele constante poderá ser executada para o atendimento de:

I – despesas com obrigações constitucionais ou legais da União relacionadas no Anexo III, inclusive daquelas a que se refere o anexo específico previsto no art. 75 desta Lei;

II – bolsas de estudo no âmbito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, bolsas de residência médica e do Programa de Educação Tutorial – PET, bolsas e auxílios educacionais dos programas de formação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, bem como Bolsa-Atleta e bolsistas do Programa Segundo Tempo;

III – pagamento de estagiários e de contratações temporárias por excepcional interesse público na forma da Lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993;

IV – ações de prevenção a desastres classificadas na subfunção Defesa Civil;

V – formação de estoques públicos vinculados ao programa de garantia dos preços mínimos;

VI – realização de eleições pela Justiça Eleitoral;

VII – importação de bens destinados à pesquisa científica e tecnológica, no valor da cota fixada no exercício financeiro anterior pelo Ministério da Fazenda;

VIII – concessão de financiamento ao estudante;

IX – ações em andamento decorrentes de acordo de cooperação internacional com transferência de tecnologia;

X – dotações destinadas à aplicação mínima em ações e serviços públicos de saúde, classificadas na Lei Orçamentária com o Identificador de Uso 6 (IU 6).

XI – investimentos e inversões financeiras no âmbito do PAC; e

XII – despesas contratualmente assumidas no âmbito do Orçamento de Investimento.

Definitivamente o Executivo não confia no Legislativo brasileiro. E pior: considera-o incapaz de cumprir prazos (isso é verdade). Mais: a execução das despesas com fundamento da LDO viola o princípio democrático, pois lei autorizativa ainda não existe (seria a LOA).

Entretanto, como é comum que o Legislativo não aprove o orçamento até o final de cada ano, normal é a adoção desse expediente. Observe, ainda, que a LDO autoriza a despesa com fundamento na “programação do projeto”, ou seja, não haverá lei formal.

Sem dúvida, há deficit democrático no processo orçamentário. E havendo esse gatilho (a execução provisório da programação), o Legislativo perde um pouco sua importância, dando ainda mais poderes ao Executivo (a Presidente não precisará negociar no final do ano, pois poderá executar parte do orçamento sem lei e sem concordância do Legislativo).

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