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O horizonte da Reforma Tributária

Gustavo Lima / Câmara dos Deputados (Foto: )

Por convite deste blog, o acadêmico de Direito da UFPR Matheus Tonello Bolsi (ex-aluno, orientando, e atualmente no 5º ano da faculdade e trainee no escritório Vernalha Guimarães & Pereira Advogados) elaborou um artigo sobre a tão sonhada reforma tributária. Diz o autor que “é notória a insatisfação dos cidadãos brasileiros com o atual sistema tributário – marcado por distorções, como a alta tributação do consumo e das cadeias produtivas, e a menor tributação da renda e da propriedade”. Preocupa-se com a necessária revisão do nosso precário sistema tributário.

Recomendo a leitura.

O horizonte da Reforma Tributária (por Matheus Tonello Bolsi)

Não é de hoje que se fala na necessidade de reformar o sistema tributária brasileiro. As escolhas feitas na Assembleia Nacional Constituinte em 1988 deixaram claro que naquela ocasião optou-se por manter o sistema vigente desde 1966. Ressalvadas algumas exceções (como a criação do Simples Nacional em 2006), há mais de 5 décadas que o Brasil não tem alterações significativas no modo de cobrança, arrecadação e fiscalização de seus tributos. Quiçá o constituinte tenha perdido a grande oportunidade de reformar o quadro fiscal brasileiro.

Todavia, este cenário pode mudar. Tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) (ainda sem numeração específica) que trata da reforma tributária. De relatoria do Dep. Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), a proposta busca simplificar as normas e a estrutura tributária. O objetivo central da Emenda proposta é simplificar o atual sistema, permitindo a unificação de tributos sobre o consumo e, ao mesmo tempo, facilitar a arrecadação. Ou seja: não é o cerne do PEC a redução da carga tributária, mas sim alterar a forma como os impostos são arrecadados. De acordo com a Receita Federal, a carga atual gira em torno de 33% do PIB brasileiro[1]. (In)suportável?

Se a Constituição for emendada da maneira como está proposto, haverá profundas mudanças para as empresas. Isto porque a proposta pretende extinguir o ICMS (estadual), ISS (municipal) e mais sete outros tributos federais – IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide Combustíveis (todos federais). No lugar, pretende criar o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), nos moldes de um imposto sobre o valor agregado (IVA), modelo utilizado em mais de 160 países. Além disto, seria criado o Imposto Seletivo, de competência da União, o qual incidiria sobre determinadas categorias de produtos (petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, cigarros e outros produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos, bem como pneus, partes e peças nestes empregados)

Caso aprovada, a criação do Imposto sobre Operações com Bens e Serviços será a grande novidade nacional. O IBS virá a substituir o atual ICMS, mantendo a competência dos Estados, mas instituído pelo Congresso Nacional. Deste modo, a PEC vem a solucionar o problema gerado pela existência de 27 legislações do ICMS, que representam um verdadeiro tormento para os contribuintes. Estabelecendo um regramento único em nível federal, o efeito é uniformizar a cobrança, e, consequentemente, simplificar a apuração. Consequentemente, a tendência é de reduzir o chamado “custo Brasil” na administração dos impostos.

Outro problema a ser enfrentado pela PEC é a redução da burocracia. De acordo com o Relatório “Paying Taxes 2018[2], elaborado pela PwC, uma empresa de médio porte no Brasil dispende 1.958 horas por ano com apuração de tributos e outras obrigações acessórias. Ou seja: no Brasil paga-se para pagar tributos. Em comparação, na Argentina gasta-se 312 horas/ano; no Uruguai apenas 190 horas/ano. Ao simplificar a forma de apuração, a consequência é também a redução de custos administrativos das empresas.

Para corrigir este problema, pretende-se utilizar a tecnologia para facilitar a forma de cobrança. Assim, seria criado um novo software, denominado do Superfisco Nacional, que proverá uma “reengenharia tributária”, competente para que fiscalizar o IBS, e será composto pelo conjunto das administrações tributárias estaduais, municipais e da União. A proposta é interessante. A experiência do Simples Nacional demonstra que é possível combinar inovação legislativa com tecnologia para aumentar a eficiência e desburocratizar. Recentemente, a Receita Federal informou que está em fase de teste a utilização de inteligência artificial para auxiliar nos julgamentos administrativos – os computadores irão identificar as alegações dos contribuintes e, ainda, poderão elaborar propostas de decisão. São presságios dos novos tempos na administração fazendária.

É notória a insatisfação dos cidadãos brasileiros com o atual sistema tributário – marcado por distorções, como a alta tributação do consumo e das cadeias produtivas, e a menor tributação da renda e da propriedade. Sabe-se que a disfunção tributária onera excessivamente a cadeia produtiva, o que reduz a competitividade dos produtos nacionais no comércio internacional. Ainda, o modelo atual também onera excessivamente o consumo, o que prejudica a população mais carente.  Todavia, a reforma em tramitação não tangencia estes pontos fundamentais do modelo tributário brasileiro. Com razão, busca-se a simplificação. Mas os pontos cruciais, como a desproporção entre a taxação do consumo em relação a renda e a propriedade, permanecem inalterados, de modo que a medida não combaterá o cenário de injustiça fiscal.

Não há quem discorde que a reforma tributária seja uma necessidade. Aliás, trata-se de tema onde os mais antagônicos setores da sociedade reclamam mudanças. Não obstante, também não se desconhece a dificuldade de se aprovar uma reforma ampla. Do ponto de vista do Executivo, o governo teme perder arrecadação. No Parlamento, há décadas que o debate entre o poder de cobrar impostos e a distribuição dos recursos arrecadados vem sendo objeto de disputas entre Estados, municípios e a União. Não será desta vez que a transição política será facilmente obtida. O que não se pode aceitar é que incompatibilidades políticas obstem as necessárias mudanças que o Brasil precisa para marchar rumo ao desenvolvimento.

[1]Conforme o Relatório Carga Tributária do Brasil da Receita Federal de 2015. Nos últimos 10 anos, a carga tributária oscilou ao redor de 33% do PIB. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/09/20/A-carga-tribut%C3%A1ria-brasileira-em-4-gr%C3%A1ficos.

[2]Relatório “Paying Taxes 2018”. Disponível em: https://www.pwc.com/gx/en/services/tax/publications/paying-taxes-2018.html.

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