Na sexta-feira passada, professores da Universidade de Oxford proferiram palestra na Faculdade de Direito da UFPR. O assunto foi “presidencialismo de coalizão”, que é a forma que o Presidente (o chefe do Poder Executivo) encontra para manter a governabilidade (mantém as relações com o Poder Legislativo).
O mestrando em Direito da UFPR Diogo Luiz Cordeiro Rodrigues, Procurador do Estado do Paraná, narra como ocorreu o evento acadêmico. Confira abaixo.
Muito já foi dito sobre o chamado “presidencialismo de coalizão”, ou seja, aquela estratégia pela qual o presidente forma alianças com diferentes partidos para assegurar a governabilidade. Todavia, até agora, não temos um diagnóstico conclusivo a respeito de seu papel no desenvolvimento da democracia brasileira. Afinal, governar por meio de coalizões interpartidárias seria bom ou ruim?
Entre os cidadãos brasileiros, a resposta negativa seria a mais provável (o “efeito mensalão” explica o receio popular e dispensa maiores comentários). Muitos estudiosos da política brasileira, no entanto, apreciam a nossa “jabuticaba”: mais do que possibilitar a formação de governos consensuais e abertos ao pluralismo político, o presidencialismo de coalizão seria, na verdade, a única estratégia política apta a consolidar a estabilidade institucional nos quadrantes do inevitável multipartidarismo estabelecido na vigente Constituição brasileira.
Execrado pela opinião pública e celebrado pela recente literatura especializada, o fato é que a nossa “jabuticaba” tem sido exportada e, hoje, frequenta diversos cardápios mundo afora. Foi para contar essa história que um grupo de pesquisadores de Oxford visitou a Faculdade de Direito da UFPR, na última sexta-feira.
Em um longo e proveitoso encontro, Timothy Power, Svitlana Chernykh, Nic Cheeseman e Paul Chaisty relataram os resultados parciais de sua pesquisa sobre o presidencialismo de coalizão em países tão diversos quanto Brasil, Equador, Chile, Benin, Quênia, Malawi, Armênia, Ucrânia e Rússia.
O escopo da pesquisa consiste em ir além do mero diagnóstico de que o presidencialismo de coalizão provê o Chefe do Executivo de meios para conduzir seu governo de maneira estável. Isto já sabemos. Mas, afinal, que meios são esses e como são efetivamente utilizados? É possível identificar estratégias comuns a todas as formas de presidencialismo de coalizão catalogadas ou os contextos regionais falam mais alto?
O grande mérito do projeto é a tentativa de superar visões parciais do problema, geralmente encampadas por parte da literatura brasileira. Em vez de enfatizarem apenas os poderes legislativos do presidente, por exemplo, os estudiosos entendem que o Chefe do Executivo possui uma espécie de “caixa de ferramentas” para lidar com diferentes situações. Estas seriam as ferramentas presidenciais: poder de agenda (poderes legislativos assegurados pela Constituição, como a edição de medidas provisórias), poderes partidários (influência presidencial sobre um ou mais partidos da coalizão), prerrogativas orçamentárias (amplo controle do gasto público), gestão do gabinete (possibilidade de distribuir pastas ministeriais) e instituições informais (categoria residual que inclui práticas clientelistas e patronagem, por exemplo).
Nessa linha, os pesquisadores sugeriram que presidentes manejam, em primeiro lugar, as duas primeiras ferramentas, quais sejam, o poder de agenda e os poderes partidários. A razão é simples: ambas acarretam custos baixos. O recurso às demais ferramentas, muito mais onerosas, só é feito quando as primeiras não se mostram eficazes o bastante para o êxito de uma determinada política presidencial.
Alguns mitos também foram questionados. Chamou atenção, em especial, o relato de Nic Cheeseman sobre o surpreendente presidencialismo de coalizão na África, continente cuja imagem é costumeiramente associada a regimes ditatoriais. Mais do que a mitigação de um mito cultural, o caso africano também revela o abalo de um mito institucional: o de que o presidencialismo de coalizão requer forte poder de agenda nas mãos do Chefe do Executivo.
Não é o que se percebe no positivo exemplo de Benin, país em que os poderes legislativos do presidente estão entre os mais modestos da região. Em sintonia com a hipótese geral do projeto, Cheeseman sugeriu que a fraqueza da ferramenta legislativa provocou o fortalecimento da ferramenta orçamentária na dinâmica de formação das alianças governamentais. Como resultado, o processo orçamentário tornou-se muito mais consensual que nos demais países africanos, pois o presidente viu-se forçado a incluir os parlamentares na elaboração e execução do orçamento, a despeito da primazia formal a ele atribuída pela Constituição. Em vez de provocar instabilidade, portanto, a redução dos poderes legislativos presidenciais teria gerado mais democracia, sem prejuízo do multipartidarismo. Eis uma interessante agenda de pesquisa para a reforma política no Brasil.
A pesquisa apresentada (e retratada por Diogo Rodrigues) contribui, efetivamente, com a análise da relação entre os poderes do Estado. Para que o governo possa levar adiante seus projetos, poderá adotar métodos diversos. O que se pretende, a partir dos dados coletados, é a melhoria no funcionamento das instituições do Estado, visando ao aprimoramento democrático.
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