Por pedido deste blog, o Procurador do Estado do Paraná Roberto Benghi Del Claro, Professor de Direito Processual Civil e de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da UFPR, elaborou texto para esclarecer – e expor o debate – a data do início da vigência do novo Código de Processo Civil. Parece inócua, mas a resposta possui implicações relevantes (por exemplo, qual a norma a incidir no caso de uma sentença prolatada no dia 17 de março de 2016?).
Recomendo a leitura.
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Quando o novo Código de Processo Civil (Lei n.o 13.105/2015) entrará em vigor? (Por Roberto Benghi Del Claro)
Quando o novo Código de Processo Civil (Lei n.o 13.105/2015) entrará em vigor? A resposta parece simples, à luz do que prevê o seu art. 1.045: “Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”. O novo CPC foi publicado no Diário Oficial da União do dia 17 de março de 2015. Entretanto, ao contrário do que aparentemente sugere a singeleza da cláusula de vigência, a vacatio legis de um ano do novo Código de Processo Civil traz alguns problemas que precisam ser solucionados, haja vista a grande importância prática da questão. Assim, apenas para exemplificar: a sentença prolatada por juiz no dia 17 de março de 2016 precisa obedecer ao dever de motivação do novo CPC? Ainda são cabíveis embargos infringentes de acórdão não unânime publicado nesta mesma data? Pode o juiz proferir despacho liminar positivo, nesta data, de demanda pelo rito sumário? A resposta obrigatoriamente passa pela vigência (ou não) do novo CPC.
Uma primeira hipótese: entraria em vigor o código após 365 dias da sua publicação? A resposta é negativa. O intérprete da cláusula de vigência do CPC não pode, evidentemente, ler algo que não está no texto a ser interpretado. O prazo não é em dias, mas em anos. O máximo que se pode falar sobre o fato da cláusula fixar o prazo de vigência em anos é que se trata de atecnia legislativa, uma vez que a Lei Complementar 95/1998, dispõe que os prazos de vigência devem ser fixados em dias (art. 8.o, § 2.o). O que é um ano? A um termo absolutamente comum como ‘ano’ poderia ser dado o seu sentido comum (generalia verba sunt generaliter intelligenda). Alguém com conhecimento da língua portuguesa, mas, pouco versado nas leis, poderia responder: um ano são 365 dias. Daí porque um prazo de um ano é um prazo de 365 dias. Resposta errada. Por que não se pode interpretar um prazo de um ano por seu sentido genérico como sendo um prazo de 365 dias? Primeiramente, porque é uma resposta aleatória (por que em dias? por que não em minutos? semanas? ou meses?). Em segundo lugar e de maneira mais claramente perceptível: porque o ordenamento jurídico não permite que se conte em dias um prazo fixado em anos. Veja-se o que diz o art. 1.o da Lei 810/1949 (em pleno vigor, antes que se questione): “Art. 1.º Considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte.” A fim de que não paire dúvida acerca desta definição, veja-se o que diz, no mesmo sentido, a cláusula geral contida no art. 132 do Código Civil: “Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. […] § 3.o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.” O conceito de ano contido nestes dispositivos não envolve contagem de prazos em dias e, sim, contagem em meses, terminando no mesmo dia em que o prazo iniciou. Tal regra deve obrigatoriamente valer para todas as situações nas quais a lei se refere a este tipo de prazo em anos (verba cum effectu sunt accipienda). Se a lei fornece um único critério interpretativo, seria um evidente equívoco utilizar outro critério (expressio unius est exclusio alterius). Logo, a contagem do prazo de um ano em dias deve ser desde logo descartada. Adiante.
Se o novo CPC foi publicado no dia 17 de março de 2015, seguindo-se o critério do art. 1.o da Lei 810/1949, o prazo se encerra no dia 17 de março de 2016. Problema resolvido? A entrada em vigor ocorrerá no dia 17 de março de 2016? Não tão rápido. Veja-se o que dispõe o § 1.o do art. 8.o da Lei Complementar 95/1998: “§ 1.º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.” Esta cláusula é aplicável ao novo CPC? A pergunta tem a seguinte razão de ser: a LC afirma que todos os prazos de vigência devem ser contados em dias. Se o prazo do novo CPC foi fixado (atecnicamente, ressalte-se novamente) em anos, a regra contida no § 1.o do art. 8.o seria a ele aplicável? Se o problema tivesse sido adequadamente tratado pelo STF e pelo STJ, a indagação já teria sido respondida há anos, quando da entrada em vigor do atual Código Civil, cuja cláusula de vigência padece do mesmo tipo de vício (art. 2.044). Como o Código Civil foi publicado no dia 11 de janeiro de 2002, ele entrou em vigor no dia 11 ou 12 de janeiro de 2003? Salvo melhor juízo, o STF não discutiu a questão e o STJ jogou poucas luzes sobre o problema – se encontram em sua jurisprudência ambas as respostas. Ao que parece, o STJ decidiu não enfrentar de maneira clara e direta o problema, pressupondo a data de entrada em vigor. Para algumas decisões, dia 11, para outras, dia 12.
Não descartaria a priori a posição daqueles que defendem que o prazo de ano termina em 17.3.2016 e esta é a data de entrada em vigor do novo CPC porque a LC só se aplicaria aos prazos contados em dia. Os tribunais poderiam adotar esta solução razoável, de maneira coerente, se entenderem ser a mais adequada. Não é minha opinião.
A posição que defendo é a seguinte. O § 1.o do art. 8.o da LC, aplicável a qualquer processo legislativo, manda incluir o último dia do prazo. Esta regra contradiz ou é de alguma maneira incompatível com o que dispõem o art. 1.o da Lei 810 ou o art. 132 do CC? Não, porque ambas dizem que os prazos em ano contam-se em meses e terminam no mesmo dia em que tiveram início.
Assim, o prazo de um ano da cláusula de vigência terminará no dia 17 de março de 2016 e, por força do disposto no § 1.o do art. 8.o da LC 95/1998, o novo CPC entra em vigor no dia 18 de março de 2016, dia subsequente ao da consumação integral do prazo.
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