Artigo originalmente publicado em 4 de abril de 2017, no site Direito do Estado – www.direitodoestado.com.br (clique aqui)
Passados quase 16 anos do nascimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), façamos um balanço dos seus primeiros anos. Dizemos “primeiros anos” pois somos otimistas por um futuro promissor que as finanças públicas brasileiras ainda podem ter.
A LRF nasceu na crise e da crise. Nasceu num momento econômico delicado para o Brasil, logo depois dos problemas econômicos e fiscais da década de 1990. A lei integrou medidas de estabilização fiscal, após obstáculos que eclodiram com o início do Plano Real. Assim, preocupações com dívida pública, excesso de gastos públicos, irresponsabilidade na captação da receita, dificuldades institucionais entre poderes e órgãos foram o mote para a criação de uma lei que proporcionasse melhores condições fiscais para os entes federativos brasileiros.
Durante o período seguinte, entre 2002 a 2014, ainda que houvesse pontuais desvios da conduta fiscal dos governos, nada foi suficiente para abalar a normalidade de forma violenta. Tribunais de Contas, o Legislativo, o Controle Interno funcionaram com os conhecidos defeitos, mas o Estado permaneceu em relativa estabilidade. O cerne do adequado funcionamento das Finanças públicas foi a bonança das receitas, que jorraram das cornucópias durante mais de uma dezena de anos.
A partir do início desta década, as finanças públicas davam sinais de cansaço e aparentavam perda da vitalidade da década anterior. Governos, procurando manter a aura de saúde econômica, maquiaram orçamentos, desvirtuaram a contabilidade. A partir de 2013 e 2014, a crise econômica instalou-se com vontade, trazendo queda na arrecadação, o que dificultou o pagamento de despesas obrigatórias criadas nos momentos de riqueza. Depois, crise na previdência, crise no pagamento das despesas com pessoal, endividamento descontrolado.
Finalmente, sobreveio a Emenda Constitucional 95 (a Emenda do Teto). Controvertida – mas necessária –, impôs limites ao crescimento das despesas de órgãos e poderes, visando ao equilíbrio fiscal. Sua função é não só evitar, mas impedir que as obrigações fiscais cresçam descontroladamente. Há algumas questões polêmicas, mas, em geral, as medidas são adequadas.
A partir da sucinta narrativa, a pergunta relevante é: a Lei de Responsabilidade Fiscal foi bem sucedida em seu intento de controlar a ânsia do agente público em gastar recursos públicos escassos? Ou a Emenda 95 é a constatação de que a LRF não funcionou, e teremos que encontrar uma saída mais rigorosa para a gestão pública?
A LRF suportou intempéries
Existiram ações para questionar, alterar, desfigurar a LRF sob dois aspectos: legislativo e judicial. Quanto ao legislativo, a LRF foi alterada por duas vezes, mas há centenas de outras tentativas em andamento.
Duas Leis Complementares (LC 131/2009 e 156/2016) vieram para aprimorar a LRF aos novos tempos, a inovações tecnológicas. A LC 131 visou ao aprimoramento da transparência, do acesso às informações em tempo real, do controle (acrescentou os arts. 48-A, 73-A, 73-B, 73-C). A LC 156 proporcionou medidas de reforço à responsabilidade fiscal e transparência, ao uso da internet como meio de divulgação de dados fiscais, da exigência de sistemas únicos de execução orçamentária e financeira geridos e mantidos pelo Executivo (enumerou o art. 48, acrescentou-lhe parágrafos).
Mas, além dessas duas bem sucedidas alterações, outras se avizinham. Buscamos no site da Câmara dos Deputados, na página de projetos legislativos, as palavras “Lei de Responsabilidade Fiscal” (pesquisa avançada, em tramitação ou não, procura do termo na ementa e na indexação). Retornaram 325 resultados. São 325 projetos de lei para alterar a LRF. Em tramitação há 212 (alguns tramitam em conjunto a outros, o que pode, concretamente, reduzir o número de temas em discussão). Os maiores proponentes (com desconsideração das propostas arquivadas) são, por partido: PMDB (36 propostas), PT (33), PSDB (26), PSD (19), PP (17).
Há propostas de variadas matizes: “para determinar a destinação à educação dos recursos públicos recuperados em decorrência de casos de corrupção”, “amplia as situações possíveis de compensação na concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita”, “para estabelecer que a Lei de Diretrizes Orçamentárias deverá dispor sobre previsão de destinação de recursos para prevenção e combate a desastres naturais e incêndios”, “para estabelecer limites à antecipação de lucros e dividendos de empresas cujo controle seja detido pelo Poder Público”, para disciplinar “a participação do Poder Público na promoção ou no patrocínio de festas, feiras, exposições e eventos similares no País e no exterior”. Não descreveremos todas, mas existem propostas que respeitam o espírito da LRF e propostas que tentam deturpá-la.
Quanto ao aspecto judicial, salienta-se que o Supremo Tribunal Federal também tem papel relevante na manutenção da LRF (sua constitucionalidade vem sendo resguardada pelo STF). Segundo o banco de dados do DIRPOL (Núcleo de Direito e Política da UFPR), contra a LRF foram propostas 9 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A principal é a ADI 2238 (na qual estão apensadas as ADI 2256, 2241, 2250, 2261, 2365, 2324 e ADPF 24), e nela existe cautelar há mais de década, a qual suspendeu vários dispositivos que, à primeira vista, são violadores da Constituição. O último movimento relevante foi em 27 de setembro de 2016, quando o Min. Teori Zavascki pediu dia para julgamento, pelo Plenário. Em razão do trágico falecimento do Min. Teori, os autos foram redistribuídos ao Min. Alexandre de Moraes. Em breve, este capítulo estará concluído.
E o futuro da Lei de Responsabilidade Fiscal?
Enfim, como serão os próximos anos da LRF? Será ela resiliente suficientemente para suportar a crise fiscal? Ou a Emenda Constitucional 95 é a constatação de sua falibilidade? Creio que se trata de um longo processo de consolidação. Os últimos (quase) 16 anos da LRF serviram ao aprendizado sobre a atuação do gestor público, da sua efetividade e sobre os problemas que ainda temos. Essa década e meia foi apenas o início da LRF. Aprimoramentos serão necessários – seja no texto legislativo, seja na interpretação –, desde que se conserve sua essência: a responsabilidade na condução da res publica.
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