Chorar é do jogo, ou do pós-jogo, como fizeram Neymar e Jair Bolsonaro depois de derrotados. A derrota é uma perda, é uma decepção, é uma certeza de oportunidade desperdiçada, talvez a última de suas vidas, e se assemelha ao luto. Vem, também, muitas vezes acompanhada do sentimento de injustiça. Ainda mais quando o adversário de fato não tinha as qualidades que confeririam merecimento à vitória ou quando as condições não foram igualitárias. Mesmo diante de tudo isso, a arte de saber perder deve obrigatoriamente incluir a capacidade também de olhar para os próprios erros e reconhecer que nem todos os fatores que levaram à derrota são externos. O perdedor sempre tem também a sua parcela de responsabilidade.
Neymar e seus colegas de Seleção — que mesmo com o resultado ruim são os melhores do mundo, na minha modesta opinião — demonstraram dominar a arte de saber perder. Eles se desesperaram, choraram, se lamentaram e alguns deram adeus ao sonho de levantar a taça para sempre, porque daqui a quatro anos certamente não estarão mais na seleção. Mas tiveram a dignidade de não desmerecer o adversário vitorioso ou negar o resultado. Não fizeram mimimi.
Daqui a quatro anos o coletivo terá mais uma chance, com novos nomes para compor o time, e muito trabalho terá de ser feito até lá. Erros serão corrigidos e uma nova liderança terá de surgir.
Política não é futebol, claro. A política tem implicações muito mais sérias. Porém, inúmeras analogias podem ser feitas entre as duas atividades e uma delas é que bons perdedores são valorizados. São dignos de ter uma nova chance.
O juiz de Brasil x Croácia foi corretamente criticado, mas a derrota não se explica pelo seu mau desempenho ou suas supostas más intenções. É preciso levar em conta os próprios erros da seleção e também a esperteza do adversário, mesmo sendo tecnicamente inferior.
Da mesma forma, a atuação da Justiça Eleitoral no pleito deste ano esteve longe de ser a ideal. Mas esse não foi o único fator a desequilibrar a disputa. Do outro lado, o governo Bolsonaro gastou muito, mas muito mesmo, dinheiro público com fins eleitoreiros, além de tentar cooptar as Forças Armadas e a Polícia Rodoviária Federal para tumultuar o jogo em desfavor do adversário.
Foi uma eleição complicada de ambos os lados. Mas a decisão foi dada por quem de fato define o placar: os eleitores. Foi apertado, sim. Praticamente nos pênaltis. Mas só existe um ganhador, que segue adiante.
O discurso de Bolsonaro na quinta-feira (9), que insiste em devaneios golpistas nas entrelinhas, como se, implicitamente, algo ainda pudesse ser feito para que o resultado do jogo seja revertido, é coisa de mau perdedor. "Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês; quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês", disse Bolsonaro a seus apoiadores. Não, presidente. Não são apenas eles. São todos os brasileiros que já deram seu voto nas urnas.
Nesta segunda-feira (12), Lula e Geraldo Alckmin serão diplomados no TSE como presidente e vice-presidente que irão assumir o Poder Executivo no próximo dia 1º de janeiro. Em alguns cantos do Brasil, e mesmo em Brasília, alguns cidadãos ainda continuarão insistindo na porta de quartéis na incitação à animosidade das Forças Armadas contra poderes da República, crime previsto no Código Penal e punível com até seis meses de prisão e multa.
Ninguém precisa gostar de ter Lula na presidência, as circunstâncias em que ele foi colocado no páreo são para lá de infames e há motivos de sobra para desconfiar da qualidade da gestão que ele fará. Havia melhores opções para o Brasil.
Mas agora é bola pra frente. A outra alternativa é o caos, é trilhar um caminho contrário à pacificação do país.
A imagem que deveria inspirar os brasileiros agora é a de Neymar, ainda em campo logo após a derrota, aceitando o abraço de consolo de uma criança vestindo a camisa da Croácia — era o filho do meia croata Pericic. Como jogador, Neymar é muito superior a Pericic. Mas isso, por si só, não define jogo. Dignidade é o segredo para a arte de saber perder.
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