Alexandre de Moraes, ministro do STF| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A suspensão do X, antigo Twitter, por ordem de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), comprova algo que este colunista já vem dizendo há muito tempo: a questão do combate às fake news nas redes sociais está em um limbo jurídico, permitindo que juízes voluntariosos decidam da própria cabeça como lidar com a desinformação. Parte da direita brasileira, justamente a mais afetada por decisões de Moraes, boicota a si mesma ao atuar para manter a existência desse limbo. É o que ocorre quando, por exemplo, parlamentares cedem ao lobby das big techs e tratam o Projeto de Lei das Fake News (2630/2020) como PL da Censura, quando a censura já se instalou via judicial e poderia ser coibida com regras claras para o funcionamento das redes.

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Algo que de saída é preciso saber a respeito desse projeto de lei é que ele não tem uma definição do que é fake news ou desinformação. Isso é ótimo, pois evita conceitos vagos que poderiam dar margem para a censura ou para a restrição à liberdade de expressão. Outro esclarecimento importante é que o alvo do PL das Fake News não é o cidadão comum que eventualmente dá uma opinião enviesada ou baseada em informações falsas, ou mesmo que resolva mentir deslavadamente. O que o texto faz é focar na escala industrial da desinformação, restringindo o chamado comportamento inautêntico nas redes — uso de robôs e perfis falsos, por exemplo. Além disso, o projeto de lei cria mecanismos para proteger os usuários de remoção indevida de conteúdo, obrigando as big techs a permitir que as pessoas recorram e contestem de forma fácil e rápida a retirada do ar de suas postagens.

Nessa briga entre Musk e Moraes, nenhum dos dois sai ganhando e sem dúvida alguma quem perde são os brasileiros.

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A maioria das pessoas que critica o PL das Fake News nunca leu o texto na íntegra. Um dos motivos pelos quais as big techs investiram em um lobby pesado junto ao Congresso para barrar o PL das Fake News é o fato de que elas não queriam ter que se responsabilizar por medidas que poderiam reduzir suas receitas e também porque não queriam ter que pagar por conteúdo jornalístico produzido por terceiros — como ocorre, por exemplo, na Austrália.

Alexandre de Moraes faz o que faz por que não há lei regulando e coibindo abusos nas redes sociais de forma clara, de forma a gerar responsabilidade para as big techs e, ao mesmo tempo, criar limites para evitar censura.

A suspensão do X já era esperada depois que o empresário Elon Musk mandou fechar o escritório da rede social no Brasil e deixou de ter representante legal para cumprir as ordens judiciais. Com isso, Alexandre de Moraes ganhou a desculpa perfeita para seguir em frente com a suspensão da rede social, pois qualquer empresa ou serviço que queria atuar no Brasil precisa cumprir decisões judiciais e, se for o caso, recorrer delas pelos canais oficiais.

Por mais que não se concorde com as suspensões de perfis determinadas por Moraes e por mais que elas se deem no âmbito de um inquérito que muitos juristas consideram ilegítimo, com vício de origem, decisões judiciais precisam ser cumpridas, ainda que possam também ser criticadas. Mas não com diatribes na internet, desafiando as ordens e prometendo não cumpri-las. Quando Musk faz isso, ele não age como empresário, mas como um político. Só que faz isso em um país que não é o dele (e escolhe onde fazer, pois em outros países obedece ordens autoritárias sem chiar). Em última instância, está tentando usar o seu poder econômico para interferir nos assuntos internos do Brasil.

Dito isso, há questionamentos legítimos em relação às decisões de Moraes. O ministro do STF vinha adotando medidas de restrições a perfis do Twitter que eram sem dúvida autoritárias, principalmente por serem secretas, sem dar chance de defesa aos atingidos. Musk, inclusive, promete divulgar muitas dessas decisões.

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Há também uma discussão em torno da decisão de Alexandre de Moraes de bloquear contas de outra empresa de Musk com atuação no Brasil para garantir o pagamento das multas impostas ao Twitter. A Starlink é um sistema de satélites que presta serviço de internet e de comunicação. A empresa tem 250 clientes no país, inclusive escolas públicas e as Forças Armadas. Ao se negar a bloquear o fornecimento do X para seus clientes brasileiros, a empresa pode, em tese, ter até suas atividades suspensas. Paralisar o serviço representaria um dano às operações da Defesa brasileira, inclusive com riscos à segurança de navegação.

Além disso, o bloqueio de conta de uma empresa para garantir o pagamento de multas de outra, só porque o principal acionista é o mesmo, é uma medida muito controversa, para dizer o mínimo. O Código Civil garante a autonomia patrimonial de pessoas jurídicas. Isso só pode ser revertido por solicitação do Ministério Público com motivações razoáveis ou a pedido da própria empresa. Como de praxe, o ministro Alexandre de Moraes tira jurisprudência da cartola quando justifica a medida dizendo que as duas empresas “fazem parte de um grupo econômico de fato”.

Nessa briga entre Musk e Moraes, nenhum dos dois sai ganhando e sem dúvida alguma quem perde são os brasileiros. O país se torna um lugar mais inseguro para investimentos externos e com precedentes cada vez mais perigosos para a censura judicial. Enquanto aponta censura para o lado errado e faz o jogo das gigantes das redes sociais, parte da direita deixa a aberta a brecha por onde passam procedimentos draconianos criados pela Justiça com a desculpa de combater as fake news. Está tudo errado.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]