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Diogo Schelp

Diogo Schelp

Política

A anestesia geral contra a corrupção e as eleições 2022

Bolsonaro e Lula
O presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula. (Foto: Foto: Alan Santos/PR e Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil )

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Os brasileiros estão anestesiados contra a corrupção? Anestesiados, é claro, não significa que a fonte da dor inexiste, apenas que ela não é mais sentida. A corrupção continua existindo no Brasil e segue sendo um problema, mas os eleitores brasileiros parecem ignorá-la ou, simplesmente, não se importar mais com ela. Ao contrário do que se previa, muito se está falando sobre corrupção na atual campanha presidencial. Mas não é isso que está pautando as preferências do eleitorado.

Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 como um candidato antissistema ou antipolítica e na esteira da rejeição ao PT por causa dos escândalos de corrupção e da crise econômica dos últimos anos da presidência de Dilma Rousseff. Mas o verniz de presidente "contra a corrupção" desmanchou antes mesmo de Bolsonaro tomar posse, com as revelações de esquemas de rachadinha — uma forma rudimentar, mas não menos grave, de desvio de dinheiro público — no gabinete de um de seus filhos políticos. Como se descobriu depois, o próprio Bolsonaro também manteve funcionária fantasma (que "recebia" sem trabalhar) em seu gabinete como deputado federal.

Ao longo de seu governo, Bolsonaro, que havia prometido apoiar a Operação Lava Jato e políticas contra a corrupção, fez exatamente o contrário. Esvaziou o órgão responsável por investigações financeiras, nomeou um procurador-geral da República que prometeu "descriminalizar a política" e que efetivamente deu cabo da Lava Jato e não se esforçou para aprovar um pacote de leis contra a corrupção — um dos motivos pelos quais seu ministro da Justiça, Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato, pediu demissão.

Às vésperas do primeiro turno das eleições, Bolsonaro e familiares precisam lidar com as notícias de que compraram, ao longo dos anos, imóveis em dinheiro vivo. Sim, em dinheiro vivo. Apesar da discussão sobre qual significado os cartórios dão ao termo "moeda corrente", as reportagens sobre o assunto também confirmaram junto aos vendedores que parte das transações foi feita com grande quantidade de dinheiro em espécie. Isso não é ilegal, mas é altamente suspeito. Pagamentos envolvendo valores altos em espécie são um método comum em esquemas de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. As informações sobre compra de imóveis em dinheiro vivo incomodaram tanto que o senador Flávio Bolsonaro pediu na Justiça, e conseguiu, que a reportagem que revelou tudo fosse censurada.

Em meio a tudo isso, a campanha de Bolsonaro vem intensificando a tentativa de reavivar a memória dos eleitores a respeito dos grandes esquemas de corrupção vigentes nos governos do PT. O Petrolão e as condenações do ex-presidente Lula por corrupção e lavagem de dinheiro ocupam um espaço cada vez maior da propaganda eleitoral de Bolsonaro, assim como pautaram o debate presidencial na Band. É justo. A verdade está aí para ser dita e o passado pode, sim, ser um prenúncio do futuro.

Mas essa estratégia parece não estar tendo o efeito esperado. A não ser que as pesquisas de intenção de voto estejam muito erradas — e, se estiverem, será um escândalo de tal proporção que exigirá o fechamento dos institutos que as fazem —, fato é que a maioria mostra Lula à frente de Bolsonaro.

É verdade que a corrupção caiu algumas posições no ranking de maiores preocupações dos brasileiros. Em 2015, um levantamento do Datafolha identificou pela primeira vez que o tema era o maior problema do país na opinião dos entrevistados. Em 2018, quando Bolsonaro foi eleito, um pouco antes da votação do primeiro turno, corrupção havia caído para a terceira colocação, junto com desemprego, como maior problema do país. Naquela pesquisa, 23% diziam que o maior problema era saúde, 20%, violência, e 14%, corrupção e desemprego.

Em pesquisa do Datafolha de março deste ano, a preocupação com a corrupção caiu ainda mais. Ocupava o topo da lista de maiores problemas, segundo os entrevistados, a saúde e a pandemia (22%), a economia (15%), o desemprego (12%), a inflação (10%), a educação (9%) e a fome (6%). A corrupção caíra para o sétimo lugar, considerada o maior problema por apenas 5% dos entrevistados.

Não é que os brasileiros não estejam atentos para as notícias envolvendo casos de corrupção. Segundo mais uma pesquisa Datafolha divulgada na semana passada, 67% dos entrevistados acreditam existir corrupção no governo Bolsonaro.

Mais recentemente, pesquisa Genial/Quaest do mês passado também apontou que a corrupção é considerada o maior problema do país por apenas 6% dos entrevistados.

Por um lado, a perda de familiares e amigos para a covid-19 e os graves problemas econômicos enfrentados pelos brasileiros nos últimos anos empurram temas como a saúde, a inflação, o emprego e a renda para o topo das prioridades. Por outro, a polarização entre dois candidatos com confirmação (Lula) ou suspeita (Bolsonaro) de corrupção nas costas faz com que muitos eleitores deem de ombros e decidam que a honestidade não é um fator a ser levado na escolha do candidato.

Os cidadãos brasileiros, ou pelo menos uma parte significativa deles, estão anestesiados contra a corrupção. Isso é uma tragédia para o país. Se ao menos na escolha dos candidatos para o Poder Legislativo a ética e o compromisso com a agenda contra a corrupção venha a ser um critério de corte...

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