O talibã é a milícia fundamentalista islâmica que aninhou o ovo da serpente da Al Qaeda e seus atentados em solo americano, em 2001. O talibã até os dias de hoje toca o terror no Afeganistão e no Paquistão. O talibã acaba de declarar apoio à reeleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. A preferência pelo candidato republicano é sincera, não se trata de uma estratégia para prejudicar sua imagem junto aos eleitores americanos. Para entendê-la, é preciso compreender a diferença entre a abordagem de política externa de Trump, com seu isolacionismo, e a de seu adversário democrata Joe Biden, com seu internacionalismo, e o que verdadeiramente os une: o conceito de hegemonia liberal dos Estados Unidos.
Antes, vejamos o que disseram o líderes talibãs sobre Trump nos últimos dias. Em entrevista ao canal de TV americano CBS News, o porta-voz do grupo, Zabihullah Mujahid, afirmou: "Nós esperamos que ele ganhe a eleição e acabe com a presença militar americana no Afeganistão." Outro líder da milícia disse que ficou preocupado com a saúde de Trump quando soube que ele havia sido contaminado com o novo coronavírus. Fofo, não?
O que está em jogo é o compromisso de Trump, firmado em acordo feito com o talibã no início do ano, de promover já no primeiro semestre do ano que vem a retirada das tropas americanas que ainda restam em solo afegão. Em contrapartida, a milícia fundamentalista deve romper com a Al Qaeda e acertar um pacto com o governo afegão. O líderes talibãs, como se vê, estão confiantes de que o plano será seguido à risca — um passo importante para que aos poucos eles retomem o controle do país.
Em algum momento, a intervenção militar americana no Afeganistão tem que acabar. A invasão do país, ocorrida como resposta imediata aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, foi o primeiro ato na Guerra ao Terror e na destruição da serpente alqaedista, mas em muitos outros aspectos foi um desastre. Os americanos e seus aliados falharam miseravelmente em construir um país democrático e pacífico dos escombros da derrubada do regime fundamentalista do talibã.
Trump foi eleito em 2016 prometendo acabar com as guerras intermináveis nas quais seus antecessores meteram os Estados Unidos. De fato, nas gestões de Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama, o país entrou em sete novas guerras. Os Estados Unidos tiveram, entre 1990 e 2017, uma frequência de participação militar no exterior seis vezes maior do que nos 200 anos anteriores.
Isso é o que a esquerda brasileira (e mundial) sempre criticou como "intervencionismo americano". Ele existiu na Guerra Fria e continuou existindo depois da queda do Muro de Berlim. Trump prometeu acabar com o intervencionismo militar de seu país, uma agenda que devia agradar aos progressistas. Trump desdenhava da ideia de os Estados Unidos serem a "polícia do mundo".
Ocorre que o discurso de não intervenção de Trump faz parte de uma abordagem isolacionista da política externa, que inclui bater em retirada também da participação em instâncias multilaterais, como os acordos climáticos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e tratados de livre comércio.
O oposto disso é o internacionalismo do candidato Joe Biden. Pelo que revelam seu programa de governo e sua retórica de campanha, o democrata pretende refazer os laços com aliados históricos (da Europa, principalmente) que foram enfraquecidos por Trump, abandonar os planos de construir um muro na fronteira com o México, retornar ao Acordo de Paris de combate às mudanças climáticas e adotar uma nova estratégia nas disputas com a China.
Mas o histórico do democrata como vice-presidente na gestão Barack Obama e como senador indicam também que a retomada do engajamento dos Estados Unidos com o mundo pode vir acompanhada de uma escalada da participação militar americana em crises armadas.
No Senado, Biden foi a favor de armar os rebeldes bósnios em 1993 (o que acabou não ocorrendo) e apoiou as invasões do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em 2003, na gestão do republicano George W. Bush.
Como vice-presidente, Biden foi um dos proponentes da política de Obama de substituir tropas por drones. Ao longo dos dois mandatos Obama/Biden, o número de soldados americanos em zonas de conflito pelo mundo caiu de 150.000 para 14.000, mas houve um boom na guerra aérea. Mais bombas foram despejadas em mais países na gestão democrata do que no governo Bush. O uso dos drones evitou baixas americanas, mas resultou na morte de milhares de civis em países como Afeganistão, Iêmen, Síria, Iraque, Paquistão, Somália...
Em artigo na edição deste mês da revista americana Foreign Affairs, a ex-candidata presidencial e ex-secretária de Estado Hillary Clinton diz que os Estados Unidos estão despreparados para as ameaças do mundo pós-pandemia. Ela defende uma reformulação na estratégia de defesa nacional que passa por reduzir o foco em armas nucleares e tropas terrestres e investir mais na capacidade militar área e marítima.
O artigo de Clinton deixa claro que os democratas pretendem fazer frente à concorrência chinesa no campo tecnológico e de ciberespionagem, mas que a disputa com Pequim se dará também no campo militar. Hillary quer menos investimento em porta-aviões e mais em submarinos de nova geração, menos em caças de curta distância e mais em aviões bombardeiros com grande autonomia de voo. Se Biden for eleito, preparem-se para uma nova, ainda que diferente, corrida armamentista.
O que Trump, o isolacionista, e Biden, o internacionalista, têm em comum é que nenhum dos dois escapa do consenso bipartidário da hegemonia liberal, a noção de que os Estados Unidos estão destinados a promover a democracia liberal mundo afora, ainda que por meio da mira do fuzil.
Alguns estudiosos afirmam que os elementos nacionalistas e protecionistas do governo Trump, com seu slogan "Estados Unidos em primeiro lugar", corroeram a adesão à hegemonia liberal. Mas isso ocorre mais no discurso do que na prática.
A burocracia de Washington é movida por esse ideal, algo que Stephen Walt, professor de relações internacionais da Universidade Harvard, chama de uma "tendência ativista" que atravessa as linhas divisórias entre esquerda e direita em todos os campos da elite política americana.
Um indício de que, apesar do discurso e do acordo com o talibã, o governo Trump não se desvencilhou desse consenso é o fato de que, no fundo, os Estados Unidos seguem envolvidos militarmente no exterior tanto quanto antes, ainda que agora com menos alarde.
Os bombardeios aéreos na Síria e na Somália, por exemplo, aumentaram na gestão Trump. Em 2017, na operação para livrar do Estados Islâmico a cidade de Mossul, no Iraque, os bombardeios americanos mataram 40.000 civis. No Afeganistão, os anos de 2018 e 2019 foram os mais letais em ataques aéreos americanos desde 2001, quando tudo começou. E, em termos de contingente militar no exterior, a administração Trump reduziu as tropas em alguns lugares mas aumentou em outros.
O talibã pode até achar que Trump é bom para eles. Mas, em outras searas, o não intervencionismo do republicano é mais presente nas palavras do que nos números.
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