Tornou-se lugar-comum afirmar que o presidente Jair Bolsonaro encontrou no pagamento do auxílio emergencial a salvação de sua popularidade e, portanto, do seu mandato. O candidato da austeridade fiscal e do mérito se renderia, assim, à pauta da renda mínima do petista Eduardo Suplicy e a programas sociais que, no passado, criticou como sendo esquemas para compra de voto. O súbito assistencialismo de Bolsonaro seria a pedra no túmulo da política econômica liberal que seu ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha tentando implementar — e que foi suspensa pela pandemia.
As coisas, no entanto, não são tão simples. Nunca são.
Bolsonaro não se elegeu prometendo o fim do Bolsa Família, o programa que antes da pandemia beneficiava cerca de 13 milhões de brasileiros com 190 reais mensais, em média. Na campanha, ele prometeu manter o programa, mas também anunciou que iria fazer uma auditoria nos pagamentos e criar um mecanismo de "saída", para que os beneficiários pudessem deixar de serem dependentes do Estado.
Tudo ótimo, mas o que se viu no primeiro ano de mandato foram resultados contraditórios no programa. De um lado, o número de beneficiários do Bolsa Família diminuiu em 2019. De outro, o governo criou o pagamento do 13° do programa social. Em janeiro deste ano, divulgou-se que o governo estudava a criação de um novo Bolsa Família, baseado no mérito. Não se sabe como isso funcionaria e a ideia não foi adiante.
A recuperação econômica prometida pelo Posto Ipiranga Paulo Guedes provava-se, já naquele momento, demasiadamente frágil. Esse fato, por si só, já exigia uma atenção especial do governo aos miseráveis, como defendi neste artigo.
Então veio a pandemia e o assistencialismo de Bolsonaro se tornou urgente.
Sem o auxílio emergencial, mesmo com seus problemas de implantação e pagamentos em atraso, possivelmente se confirmaria a previsão apocalíptica de que mais brasileiros morreriam de fome do que de covid-19. Ou seja, considerando-se os números atuais da pandemia, uma tragédia para lá de 50.000 vidas. (Em um ano "normal", 5.600 pessoas morrem de desnutrição no Brasil, em média.)
Agora discute-se a prorrogação do auxílio emergencial, que já beneficia 53 milhões de cidadãos, por mais alguns meses. E o governo fala também em criar um programa de renda básica ainda mais robusto do que o já existente Bolsa Família.
A percepção de que o assistencialismo pode ser a salvação política para Bolsonaro, que se sente vítima de um cerco do Judiciário ao seu núcleo de apoiadores e à sua família, no entanto, pode ser equivocada.
Essa percepção sustenta-se em pesquisas de opinião que mostram um aumento na aprovação do governo Bolsonaro entre os estratos mais pobres da população, impedindo que sua popularidade caia abaixo do piso de cerca de 30%.
Há, contudo, dois problemas com essa hipótese. O primeiro é que ainda há margem para a popularidade de Bolsonaro cair ainda mais nos outros extratos sociais — e o aumento da aprovação entre os pobres não é tão robusto assim a ponto de segurar a queda geral ainda maior.
Segundo a pesquisa XP/Ipespe divulgada no dia 12 de junho, a soma das avaliações ótimo/bom do governo Bolsonaro ainda é proporcionalmente maior entre as pessoas com renda acima de 2 salários mínimos do que entre as que ganham menos do que isso. A mesma pesquisa também mostra que a proporção dos beneficiários do auxílio emergencial que reprovam o governo é apenas 2 pontos percentuais mais baixa do que entre aqueles que não recebem a ajuda.
Ou seja, outros fatores além da renda podem estar impactando na percepção que os beneficiários do auxílio emergencial têm do desempenho de Bolsonaro — entre eles, obviamente, o grande número de mortos pelo novo coronavírus (que tende a atingir mais duramente a população pobre) e a situação geral da economia.
Deriva daí o segundo problema da hipótese de que o emergente assistencialismo de Bolsonaro pode salvá-lo: os piores impactos da crise econômica ainda estão por se fazer sentir.
Análise feita pelos autores da pesquisa acima mencionada mostra que, pelo desempenho atual da economia, a aprovação de Bolsonaro deveria ser 8 pontos percentuais abaixo da que foi registrada nas entrevistas. Essa pode ser a margem que o auxílio emergencial está "compensando", digamos assim.
Ocorre que as previsões econômicas para os próximos meses são de significativa deterioração nos índices de emprego e de atividade produtiva.
O PIB no primeiro trimestre recuou 1,5%. A previsão para o ano é de uma queda de até 6%, dependendo de quem faz o cálculo (o do governo é de -4,7%).
A taxa de desemprego, que atualmente está em 12,6%, deve fechar o ano com 19%. Nada menos que 5 milhões de brasileiros perderam o emprego durante a pandemia e o mesmo pode acontecer com outros 7 milhões nos próximos seis meses, dos quais 3 milhões estão em vagas com carteira assinada. Lembrando que essas previsões não levam em conta as pessoas que desistem de procurar trabalho.
Esse cenário de terra arrasada na economia e no mercado de trabalho certamente terá impacto na aprovação do governo. A capacidade dos programas de auxílio social de amortecê-lo é limitada.
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