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Diogo Schelp

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Internacional

O que pode levar ataques mútuos entre Israel e Hezbollah a uma guerra regional

Hezbollah
Escombros deixados pelo ataque de Israel em Beirute contra o Hezbollah, realizado no dia 20 de setembro de 2024 (Foto: EFE/EPA/WAEL HAMZEH)

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O infame e sangrento ataque terrorista cometido pelo Hamas em território israelense está perto de completar um ano, em outubro. De lá para cá, Israel foi à guerra contra o grupo palestino na Faixa de Gaza — com consequências terríveis para a população civil local, que é usada como escudo humano pelos terroristas — sabendo que precisaria suportar um conflito em várias frentes, por causa das retaliações do Hezbollah, organização xiita radical do Líbano, com apoio do Irã.

Pode-se dizer que a guerra provocada pelo Hamas entrou em uma nova fase. Nos últimos dias, os ataques recíprocos entre Israel e Hezbollah atingiram o maior nível em doze meses. De ontem para hoje (de domingo para segunda, dia 23), foram registrados mais de 80 bombardeios de Israel sobre alvos no sul do Líbano, depois de um fim de semana em que o Hezbollah também aumentou os disparos de foguetes contra Israel. Foram mais de 150 só no domingo de manhã.

Que civis sejam atingidos ou afetados é considerado inevitável em um conflito armado, mas apenas como efeito colateral. A lei internacional exige que haja uma proporcionalidade entre o dano causado aos civis e o alvo militar pretendido

Os ataques do Hezbollah nos últimos meses tornaram o norte de Israel uma região muito perigosa de se viver. O objetivo do premiê israelense Benjamin Netanyahu, agora, é destruir a infraestrutura bélica do Hezbollah para permitir que dezenas de milhares de israelenses possam voltar a suas casas.

Existe uma avaliação de que a tática de Israel de colocar bombas em pagers e walkie-talkies comprados pelo Hezbollah, e que explodiram na semana passada matando dezenas de pessoas no Líbano, era uma preparação para a atual fase de ataques aéreos. As armadilhas explosivas instaladas nos dispositivos serviram para desestruturar as lideranças do Hezbollah às vésperas de ataques mais cirúrgicos, com objetivos militares mais claros.

O risco de que a intensificação dos ataques mútuos se espalhe para outros países da região sempre existe, mas é preciso lembrar que, nos últimos anos, ocorreram muitos outros momentos de hostilidades entre Hezbollah e Israel em que não houve uma expansão da guerra em nível regional. O que realmente torna a situação atual diferente é que o Irã está muito mais envolvido no conflito, principalmente depois de ações recentes de Israel para matar um líder do Hamas em território iraniano e também para eliminar um general iraniano em território sírio. Ou seja, a preocupação de expansão regional da guerra tem mais a ver com a disposição do Irã de retaliar do que propriamente com os ataques entre Israel e Hezbollah.

A ação de Israel de colocar bombas em pagers e walkie-talkies foi um sucesso do ponto de vista tecnológico, uma demonstração de sofisticação nos meios de afetar o inimigo. Mas o que aconteceu também tem um aspecto legal e moral que abre precedentes perigosíssimos. O primeiro aspecto, que vale ser analisado, é se isso pode ser considerado um ato de guerra legítimo. Não há dúvida de que o Hamas e o Hezbollah querem destruir o Estado de Israel e varrer os judeus do mapa do Oriente Médio. Israel tem todo o direito de se defender dessas intenções nefastas. O direito de guerrear, porém, não justifica qualquer método de guerra.

Armadilhas explosivas são proibidas pela lei internacional. O método equipara-se aos utilizados por grupos terroristas. Quando o IRA, o movimento separatista irlandês, nos anos 70 e 80, colocava uma bomba em um apartamento ou em um carro para matar um político inglês, o que se tinha era terrorismo. Ainda que os extremistas considerassem que tinham um alvo legítimo, o dano era indiscriminado. A única diferença no caso dos pagers e walkie-talkies com armadilhas explosivas é que, em vez de a ação terrorista ser promovida por um grupo separatista, é feita por um Estado, por ordem do governo de um país. O efeito de aterrorizar a população civil é o mesmo. Ninguém se sente seguro com um dispositivo eletrônico qualquer na mão.

Ainda que o objetivo final dos pagers-bombas e dos walkie-talkies-bombas fosse matar membros do Hezbollah, Israel não tinha como garantir que quem estivesse com esses dispositivos no momento da explosão eram mesmo os seus alvos. Ou mesmo que quem estivesse em volta tivesse alguma relação com o Hezbollah. O alvo poderia estar em um supermercado no momento da explosão do seu pager, ferindo ou matando pessoas à sua volta que nada têm a ver com a história, que são civis. Aliás, existem relatos de que pelo menos duas crianças morreram. É exatamente por isso que é proibido pela lei internacional plantar bombas em lugares públicos, porque o dano é indiscriminado. Quem está usando esse tipo de arma não tem a menor garantia de que vai atingir o seu alvo e muito menos de que outras pessoas ao redor não serão afetadas.

Em situações de guerra, a lei internacional permite que se faça ataques contra alvos militares. Que civis sejam atingidos ou afetados é considerado inevitável em um conflito armado, mas apenas como efeito colateral. A lei internacional exige que haja uma proporcionalidade entre o dano causado aos civis e o alvo militar pretendido. Quando um exército faz uma ataque sabendo de antemão que terá efeito aleatório, que vai afetar muitos civis para além do alvo militar, não pode realizá-lo, sob o risco de cometer um crime de guerra.

O outro ponto é que, se uma ação dessas fica sem punição, ela abre precedente para que outros governos tentem usar métodos semelhantes contra seus inimigos. E gera uma grande preocupação com a cadeia global de suprimentos. Num mundo globalizado, um produto sofisticado, como um celular, é feito com peças vindas de diversos países. Existe uma longa cadeia de suprimentos e a montagem desses dispositivos ocorre em muitos lugares. Isso acaba tornando esses produtos mais vulneráveis a sabotagens. No caso dos dispositivos usados pelo Hezbollah, Israel teria aberto uma empresa de fachada na Hungria para montar os pagers, instalar as bombas e exportar para o Hezbollah.

É possível imaginar a dificuldade de um país como os Estados Unidos para vistoriar todos os produtos que entram no país em busca de ameaças como essa.

Israel pode ter iniciado uma tática de guerra sem precedentes, assustadora. Uma inovação que pode ser imitada por terroristas e governos de todas as estirpes mundo afora. Os riscos do atual conflito entre Israel e Hezbollah, portanto, vão além da possibilidade de uma expansão regional das hostilidades. Há também implicações de segurança para todo o mundo, pela abertura de precedentes perigosos na aceitação de táticas de guerra que violam as leis internacionais.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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