Em 2003, em seu primeiro ano na Presidência da República, Lula (PT) reclamava da herança maldita que teria recebido do antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Sempre que precisava justificar dificuldades em seu governo, como o controle da inflação ou a geração de empregos, o petista recorria à expressão para explicar o porquê de o país estar "quebrado".
O termo "herança maldita" entrou definitivamente para o léxico esquerdista. O PCdoB o utilizou em propaganda partidária na TV, a diplomacia arquitetada por Celso Amorim levou-o para a esfera internacional e o próprio Lula turbinou a reclamação, acrescentando depois que a tal herança de FHC, na realidade, era "mais do que maldita".
Tratava-se de uma tremenda contradição e de uma injustiça. Contradição porque, no essencial, o PT deu continuidade ao tripé macroeconômico estabelecido no governo FHC e que permitiu ao país, no anos seguintes de alta no preço das commodities, viver tempos de bonança. E injustiça porque, apesar da oposição ferrenha do PT durante sua gestão e da dura polarização eleitoral com o seu candidato, Fernando Henrique fez o que na época foi considerada uma transição de governo exemplar.
Depois de confirmada a vitória de Lula nas eleições, a equipe de FHC preparou informações e assessorou sete dezenas de pessoas indicadas pelo petista para garantir uma transição tranquila, técnica e democrática. Cada um dos ministros nomeados por Lula recebeu um dossiê sobre o que iria acontecer na gestão pública nos três meses seguintes.
Não houve, portanto, herança maldita alguma. Ao contrário, FHC esforçou-se para entregar um país e uma gestão governamental nas melhores condições possíveis para Lula.
Quase 20 anos depois, os brasileiros acompanham mais uma eleição polarizada, em que ambos os lados das candidaturas mais bem posicionadas nas pesquisas falam como se, em vez de um embate político e de visões diferentes de país, o que se tem é uma disputa do bem contra o mal.
De um lado, o PT classifica o campo bolsonarista como "fascista", como se todo eleitor do presidente fosse um potencial atirador de Foz de Iguaçu. Do outro lado, Bolsonaro age como se tudo fosse permitido para evitar a volta do PT ao poder, inclusive promover a maior gastança, com dinheiro dos pagadores de impostos, já vista em ano eleitoral no Brasil — colocando em risco a recuperação econômica do país.
Segundo informação do jornalista Thiago Bronzatto, de O Globo, Bolsonaro justificou a PEC das Bondades, também conhecida como PEC da Compra de Votos, dizendo a um de seus ministros que "não dá para entregar o tanque cheio" a um possível novo governo.
Ou seja, o pacote com absurdos R$ 343 bilhões em auxílios válidos apenas até o fim do ano, mas que deixam uma cauda de gastos que se estenderá pelos anos seguintes, faz parte do vale-tudo para impedir a eleição de Lula (por meio da reeleição de Bolsonaro) e, se não atingir esse propósito, pelo menos entregará terra arrasada ou "tanque vazio" na economia ao sucessor, sabotando o próximo governo.
Na prática, a gastança de agora de estímulo econômico com fins eleitorais vai jogar para 2023 a necessidade de apertar o cinto nas contas públicas ou de aumentar impostos e impactará no crescimento econômico e na inflação. As previsões econômicas, que eram mais otimistas, depois da aprovação da PEC já começaram a ser revistas, apontando para inflação mais alta, taxa de juros idem e crescimento menor no ano que vem.
O problema é que quem sofrerá com essa verdadeira herança maldita que Bolsonaro pretende deixar para o sucessor — ou para si mesmo, caso seja reeleito — somos todos nós, brasileiros.
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