"Apoiar a Lava Jato é fundamental no combate à corrupção no Brasil. O fim da impunidade é uma das frentes que estanca o problema, outra é atacar a corrupção na sua raiz, pondo fim nas indicações políticas do governo em troca de apoio", prometeu Jair Bolsonaro antes do primeiro turno das eleições que o levaram ao cargo de presidente da República. Mas eis que os fatos se encaminham para a direção oposta: o fim da Lava Jato. Será este um dos maiores legados do governo Bolsonaro? O que os brasileiros que ajudaram a eleger o capitão acham disso?
Vejamos quem são os atores políticos que hoje concentram sua artilharia na Lava Jato. Augusto Aras, chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR), está em guerra com a força-tarefa de Curitiba e seus desdobramentos em outras capitais depois de tentar, por meio de sua equipe mais próxima, obter a cópia de documentos sigilosos das investigações no Paraná, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os procuradores se opuseram, alegando que o acesso a tais informações devem ser individualizados e concedidos apenas mediante autorização judicial. Aras também vem trabalhando para desmontar a estrutura investigativa dos times da Lava Jato.
O episódio do acesso aos dados levou ao pedido de demissão de três procuradores da Lava Jato na PGR e a uma sequência de bate-boca público entre integrantes da força-tarefa e a equipe de Aras.
O próprio conceito de forças-tarefas para investigar casos de corrupção está em xeque, com a alegação de que mobilizam procuradores demais, trabalhando em condições privilegiadas. Um dos recentes críticos desse modelo foi o vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros, auxiliar direto de Aras.
O plano de Aras é acabar com as forças-tarefas e centralizar as investigações com a criação da Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado), vinculada diretamente a ele. O argumento é o de que forças-tarefas como a Lava Jato desfrutam de autonomia demais e permitem comportamentos abusivos entre os procuradores que delas participam.
De fato, o sucesso subiu à cabeça de muitos procuradores. No entanto, foi esse modelo que permitiu investigar, expor e punir o maior esquema de corrupção da história do país. Nunca tantos figurões foram condenados e presos por crimes do colarinho branco. Um órgão centralizado na PGR, com seu histórico de engavetamento — e, atualmente, com um procurador-geral que faz campanha por uma vaga no STF —, teria obtido esse resultado?
Claramente, não. De resto, para os abusos dos integrantes do Ministério Público Federal existe a corregedoria da instituição.
Uma coisa é certa: as aves de rapina do dinheiro público apenas aguardam o enfraquecimento da capacidade de investigação do MPF para colocar novamente suas garras de fora.
Não se pode dizer que Bolsonaro não tem responsabilidade nisso. Ao distribuir cargos a indicados do centrão, o grupo de partidos fisiológicos do Congresso, ele aliou-se e tornou-se dependente do apoio de parlamentares encrencados no petrolão e no mensalão. O fim da Lava Jato é um sonho para eles.
Além disso, foi Bolsonaro quem nomeou Augusto Aras fora da lista tríplice do MPF e vem seduzindo o procurador-geral com uma possível vaga de ministro no Supremo Tribunal Federal. Por ora, Aras tenta encontrar erros e por freio na força-tarefa. E, em agosto, decidirá pela prorrogação ou pelo fim da Lava Jato em Curitiba.
Em algum momento a força-tarefa terá mesmo que se encerrar, mas que isso seja uma decisão técnica, baseada nas perspectivas de investigação. Não em interesses políticos, como vem sendo o caso.
Os desdobramentos da Lava Jato em outros estados indicam que ainda há o que investigar e denunciar, como prova a recente acusação contra o senador José Serra (PSDB-SP) por lavagem de dinheiro, pelo MPF de São Paulo.
Os procuradores da Lava Jato em Curitiba veem na tentativa de ingerência da PGR uma estratégia para enfraquecer o ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça Sergio Moro e seus planos eleitorais. O coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, foi na mesma linha em uma entrevista recente. Segundo essa versão, a PGR estaria fazendo o jogo político de Bolsonaro, que considera Moro o seu judas e quer enfraquecê-lo para não ter de enfrentá-lo nas urnas em 2022.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, entrou na briga e disse que as reclamações de Dallagnol comprovam que a Lava Jato é um "movimento político". Maia defendeu o direito da PGR de colher informações sigilosas das forças-tarefas.
Entende-se: o próprio Maia foi investigado na Lava Jato e há um inquérito contra ele dormindo nas gavetas da PGR. Em maio, o ministro do STF Edson Fachin cobrou o procurador-geral a decidir se denuncia ou não Maia e seu pai, César Maia, por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral. Segundo a Polícia Federal, ambos receberam dinheiro indevido da Odebrecht.
Nos últimos dias, revelou-se também que a PGR vem procurando provar que os procuradores da Lava Jato omitiram, em documentos, os nomes completos de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para conseguir investigar os dois, que possuem foro privilegiado, indevidamente.
Ou seja, o fim da Lava Jato é uma daquelas causas capazes de unir petistas, bolsonaristas, os novos aliados de Bolsonaro no centrão e Rodrigo Maia.
A militância bolsonarista pode até, com alguma ginástica argumentativa, eximir o presidente de culpa pelo fim da Lava Jato. Mas dizer que ele cumpriu a promessa de campanha de apoiá-la e de cortar a corrupção pela raiz com o fim das indicações políticas... só rindo.
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