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Opositores Claudia Macero (à esquerda), Pedro Uchurrurtu (ao centro) e Magalli Meda (à direita), três dos seis asilados na embaixada da Argentina, em Caracas, na Venezuela|, que está sob custódia brasileira| Foto: EFE/ Henry Chirinos ARCHIVO

O impasse diplomático gerado pelo cerco de forças de repressão do regime venezuelano à embaixada da Argentina em Caracas, ao longo do fim de semana, colocou em xeque o posicionamento cauteloso que o governo Lula vinha adotando em relação à ditadura de Nicolás Maduro após a fraude eleitoral de julho passado. Lula dizia não reconhecer a autodeclarada vitória de Maduro para mais um "mandato" presidencial enquanto ele não apresentasse as atas das sessões eleitorais com os números que comprovem essa alegação. Como essa comprovação não existe, o órgão eleitoral venezuelano controlado por Maduro nunca a apresentou. Mas Lula também não reconhecia a vitória, inegável, da oposição — ainda que essa, sim, tenha divulgado os registros de mais de 80% dos boletins de urna, colhidos por voluntários nas sessões eleitorais no dia da votação, demonstrando que o candidato Edmundo González Urrutia recebeu com folga o maior número de votos.

Maduro não tinha dúvidas de que perderia a eleição em um processo justo. Por isso fez de tudo para passar a mão na vontade do povo venezuelano, primeiro cassando a candidatura da favorita María Corina Machado, depois prendendo ou ameaçando prender aliados dela e, por fim, empastelando o pleito na cara dura. Lula, que tinha sido um dos mediadores dos acordos entre oposição e Maduro para a realização da votação, assistiu a tudo quase inerte, emitindo apenas tímidas declarações de desagrado com o processo.

Para de fato dar um basta na farsa venezuelana, o Brasil precisaria deixar claro para a Rússia e para a China, os atuais fiadores de Maduro, que a situação venezuelana impacta demais nos interesses brasileiros na região. Mas isso jamais vai acontecer

O caso da embaixada da Argentina justificava, em certa medida, a cautela do governo brasileiro. Em julho, logo após a votação, o presidente argentino Javier Milei foi um dos que denunciaram a farsa eleitoral de Maduro. A ditadura venezuelana, em reação, expulsou o corpo diplomático argentino. Milei, em uma jogada inteligente, pediu ao governo brasileiro que assumisse a custódia da sua embaixada em Caracas.

Dessa forma, o Brasil se tornou responsável não apenas por cuidar da proteção física da embaixada e dos interesses de cidadãos argentinos em solo venezuelano, como também pela segurança dos seis opositores venezuelanos que haviam buscado asilo na representação diplomática, mas que não receberam salvo-conduto de Maduro para viajar para o exílio na Argentina.

A decisão de Maduro de revogar a autorização para que o Brasil cuidasse da embaixada argentina, pouco antes de iniciar o cerco que — muitos temiam — poderia levar à invasão do imóvel para a prender os opositores ali protegidos, foi um tapa na cara da diplomacia brasileira. Um tapa na cara de Maduro em Lula, portanto.

Já havia um precedente lamentável para uma possível invasão da embaixada, o que representaria uma violação da Convenção de Viena, que garante a inviolabilidade das sedes das missões diplomáticas estrangeiras. Trata-se da invasão da embaixada do México em Cusco, no Equador, em abril deste ano, quando forças de segurança do país entraram no imóvel para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, acusado de corrupção, que havia recebido asilo do governo mexicano. Diante da violação de sua embaixada, o México se viu obrigado a romper relações com Equador e a denunciar o país na Corte Internacional de Justiça.

Se as forças venezuelanas entrassem na embaixada argentina, onde foi inclusive hasteada a nossa Bandeira Nacional, Lula seria forçado a reagir à humilhação rompendo as relações bilaterais com a Venezuela. Isso é o que qualquer país faria, mas será que Lula chegaria a esse ponto? Será que permitiria que os seis venezuelanos que lá estão sob a sua responsabilidade, todos ligados ao partido de Maria Corina, fossem detidos e levados para as masmorras da polícia política de Maduro sem uma reação mais dura?

Lula foi salvo de ter de tomar essa decisão pelo exílio de Edmundo González Urrutia, que pediu asilo à Espanha e conseguiu desembarcar na Europa neste domingo (8). O legítimo vencedor das eleições estava com uma ordem de prisão em suas costas por uma série de acusações estapafúrdias, sem embasamento, obra de um sistema judicial controlado por Maduro. O ditador, nesse caso, deu o salvo-conduto para que um avião espanhol levasse o opositor para longe. O motivo é óbvio: Maduro teme as mobilizações populares que exigem a posse do legítimo presidente eleito. Maria Corina diz que González vai lutar de longe por esse direito e que ela, que também corre o risco de ser presa, continuará na Venezuela.

O governo brasileiro espera agora conseguir passar a custódia da embaixada argentina, junto com os seis asilados que lá estão, para outro país que ainda mantém representação no país. Mas se livrar do problema objetivo de ter que proteger os opositores venezuelanos confinados na embaixada argentina não exime o Brasil de mudar sua postura em relação à ditadura chavista.

Ao contrário, a transferência dessa responsabilidade para outra representação diplomática deveria permitir que o Brasil eleve o tom contra a repressão que Maduro está promovendo contra opositores e que se intensificou desde a sua derrota não admitida nas eleições. Não um rompimento sumário com o país, pois ainda é melhor tentar manter algum diálogo com a ditadura do que nenhum. Mas ao menos uma demonstração mais forte de que o Brasil condena as prisões políticas e que o melhor caminho para a Venezuela é que Maduro aceite considerar as opções que estão diante de si, inclusive a oferta de anistia por seus crimes, para iniciar uma transição política em seu país. A chance de que isso de fato ocorra, claro, é baixíssima. Mas só porque algo é improvável não significa que não deva ser tentado.

Para de fato dar um basta na farsa venezuelana, o Brasil precisaria deixar claro para a Rússia e para a China, os atuais fiadores de Maduro, que a situação venezuelana impacta demais nos interesses brasileiros na região. Mas isso jamais vai acontecer, pois a prioridade da política externa de Lula é manter-se próximo da China e da Rússia. Mesmo que isso signifique aceitar um fator de instabilidade nas nossas fronteiras, com aumento de fluxo de refugiados venezuelanos e com ameaças de guerra na Guiana.

Lula se meteu em uma sinuca de bico e não tem força ou habilidade para sair dela.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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