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Os danos materiais e as tragédias humanas causadas pelas chuvas intensas em São Paulo e no Rio de Janeiro na semana passada e nesse fim de semana mostram que é preciso romper com a lógica perversa e viciante dos ciclos eleitorais na gestão pública. Não há solução duradoura para o problema sem investimento de médio e longo prazo em estrutura adequada, em sistemas de drenagem, em monitoramento e alerta de risco, em planejamento e zeladoria urbana.
São investimentos cujo efeito só será sentido, em muitos casos, só depois dos quatro anos de um mandato de prefeito ou governador e que, se derem resultado e servirem para evitar novas tragédias, serão invisíveis para os eleitores. Uma tragédia que não ocorreu não é notícia, não rende postagens nas redes sociais, não motiva manifestações de apoio e de agradecimento.
Precisaríamos ter uma classe política mais focada nos resultados, disposta a dar continuidade àquilo que está dando certo, e menos no imediatismo eleitoral.
Mas uma tragédia que não ocorreu significa que os investimentos corretos foram feitos, com o poder público, e seus gestores eleitos à frente, cumprindo com sua obrigação de adotar medidas para prevenir e mitigar riscos à população, inclusive quando a natureza investe com toda a sua força contra as cidades.
Uma pesquisa recente do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) obteve um surpreendente resultado: a mortalidade infantil aumenta em média 6,7% nas cidades quando há mudança de um governo para outro. Ou seja, o indicador piora nos anos seguintes quando há um candidato à reeleição que acaba derrotado.
O problema não está relacionado a questões ideológico-partidárias, mas à lógica do ciclo eleitoral nas gestões municipais. Nos municípios pesquisados, o número médio de consultas médicas caiu nos dois primeiros anos da nova gestão, por exemplo. E a principal razão para a piora nos indicadores de saúde foi a demissão de funcionários do setor, em especial os comissionados, sem estabilidade no emprego. Os motivos para as demissões são variados, inclusive uma tentativa imediata de equilibrar as contas públicas. De qualquer forma, percebe-se no exemplo acima o dano que existe quando as políticas públicas para os serviços básicos e essenciais não têm continuidade de um governo para outro.
Claro que os ciclos eleitorais, por outro lado, são importantíssimos por outros motivos. Por exemplo, servem para punir maus gestores (prefeitos, governadores, presidentes...). A necessidade de garantir os votos faz com que os ocupantes dos cargos eleitos se vejam na obrigação de prestar contas à população e de ficar atentos para seus anseios e insatisfações. Normalmente, porém, as medidas que surgem dessa atenção com o eleitor se restringem àquilo que pode ser estampado nas propagandas eleitorais e cujos efeitos podem ser sentidos quase de imediato pelos cidadãos. Falta o planejamento de longo prazo.
E, quando há o planejamento de longo prazo, falta que os sucessores na gestão pública mantenham os planos, em vez de riscar tudo e começar outra coisa do zero. Precisaríamos ter uma classe política mais focada nos resultados, disposta a dar continuidade àquilo que está dando certo, e menos no imediatismo eleitoral ou das alianças. Mas isso só se constrói com maior educação e participação política dos cidadãos. A imprensa tem um papel nisso, as escolas também.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos