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O presidente Jair Bolsonaro sabe que as chances de aprovação da mudança no sistema de votação para as eleições de 2022 são muito baixas. Nem mesmo a nomeação de Ciro Nogueira (PP-PI), um dos onze líderes partidários que se posicionaram contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para instituir o comprovante impresso do voto eletrônico, para o posto de ministro da Casa Civil — o que aumentou a força do centrão no governo — é suficiente para mudar essa perspectiva.
Maleável em suas posições como todo representante do centrão, Ciro Nogueira prometeu a Bolsonaro trabalhar pelo voto impresso ao ser oficializado no cargo. Isso deu esperanças ao relator da PEC, o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR).
Mas Nogueira representa apenas um dentre outros partidos do centrão — e mesmo sua entrada no governo não garante apoio de seus correligionários à proposta do comprovante impresso do voto. É o caso de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.
Na sexta-feira (30), um dia depois da live em que Bolsonaro admitiu não possuir provas de ocorrências de fraudes nas eleições, apenas "indícios" que circulam há tempos na internet e que já foram desmentidos diversas vezes, Lira disse confiar no atual sistema de votação e avaliou que a PEC não passa sequer pela comissão especial.
Se passar pela comissão na Câmara, a proposta ainda terá que se aprovada com três quintos dos votos dos deputados e dos senadores, em dois turnos. E tudo isso teria que ocorrer até outubro para que o comprovante impresso do voto possa ser instituído já nas eleições do ano que vem.
Uma forma de interpretar a oposição do centrão à PEC é de que se trata de uma oportunidade para pressionar por cargos no governo. Mas Bolsonaro precisaria ceder muito mais — e rápido — para conseguir esse apoio. Ele teria que aumentar ainda mais a presença do centrão no governo, portanto.
O partido do centrão mais bem representado no ministério é o PP (com Ciro Nogueira na Casa Civil e Flávia Arruda na Secretaria de Governo). O Republicanos, partido de João Roma, ministro da Cidadania, integra a lista dos que se opõem à PEC. O PSD tem Fábio Faria nas Comunicações, mas o ministro cogita mudar-se para o PP e seu partido, presidido por Gilberto Kassab, tem se afastado de Bolsonaro.
A live de Bolsonaro — que decepcionou quem esperava as provas de fraude que ele promete apresentar desde o início de seu governo — levou Kassab a dizer que a campanha do presidente pelo voto impresso é uma "jogada maquiavélica".
Diante da possibilidade remota de que as eleições de 2022 sejam realizadas com um novo sistema de votação, dotado de comprovante impresso do voto digitado nas urnas eletrônicas, por que Bolsonaro está intensificando a campanha pela mudança, reciclando desgastadas suspeitas de internet para plantar dúvidas no processo eleitoral e incentivando manifestações e motossiatas pelo voto impresso?
A explicação é que Bolsonaro precisa vender à sua base de apoiadores a ideia de que fez de tudo para aprovar a mudança no sistema de votação, o que lhe dará justificativa e apoio para contestar o resultado das eleições.
Curiosamente, em seus discursos ele atribui ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a culpa pela dificuldade em aprovar o voto impresso, omitindo o fato de que um dos principais obstáculos à PEC é justamente o centrão, que acaba de ganhar mais poder em seu governo.
Bolsonaro, portanto, faz jogo de cena em sua campanha pelo voto impresso. Assim como fez jogo de cena quando vetou apenas alguns dos jabutis incluídos pelo Congresso Nacional na Medida Provisória para privatização da Eletrobrás, impondo custos que futuramente vão ser repassados no preço da energia elétrica para os consumidores. Assim como faz jogo de cena com as idas e vindas na promessa de vetar o aumento do valor do fundo eleitoral, aprovado com votos de parlamentares bolsonaristas.