Apesar do apagão de dados na plataforma Sivep-Gripe (Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe), que permitiria conhecer com mais detalhes a evolução das estatísticas de casos graves, internações e mortes por influenza e covid-19 no Brasil, um levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde na sexta-feira (7) confirma que estamos vivendo o início de uma nova onda de covid no país. Em apenas uma semana, o número de casos diários aumentou mais de seis vezes. Os óbitos, por sua vez, quase triplicaram.
A nova variante do coronavírus, a Ômicron, já demonstrou em países do hemisfério norte o que é capaz de provocar. Os Estados Unidos bateram, nesta sexta-feira (7), o seu recorde de novos casos registrados em um único dia desde o início da pandemia: quase 900.000. A Alemanha registrou o seu pico em 1º de dezembro, com mais de 74.000 casos. Os dados são da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Cenário semelhante deve ocorrer no Brasil nas próximas semanas. "Vamos ter uma avalanche de casos. Isso que já estamos vivendo ainda vai piorar, tornando-se a maior onda de casos de covid-19 desde o início da pandemia", prevê o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor e pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
"Mas isso não vai, provavelmente, refletir da mesma forma nos chamados 'desfechos duros', nas internações e nos óbitos", afirma o especialista.
Ou seja, a nova onda de covid vai se caracterizar por um número maior de infectados, mas por uma proporção menor de casos graves, que resultam em hospitalização ou morte.
A explosão de casos vai ocorrer porque a Ômicron é uma variante muito mais transmissível do que as anteriores. Um indivíduo contaminado transmite o vírus para outras 10 a 20 pessoas, em média. Um paciente infectado pela Delta, a variante predominante na onda anterior de covid-19, transmite o vírus para até 4 pessoas, em média.
Por outro lado, a proporção de casos graves, com hospitalização ou morte, vai ser menor nessa nova onda de covid por dois motivos.
Primeiro, porque uma parcela significativa da população com 12 anos de idade ou mais no Brasil, quase 80%, já está com a vacinação contra covid-19 completa.
A vacinação, principalmente com a dose de reforço, diminui o risco individual de hospitalização e óbito.
O indivíduo vacinado tem menos chance de pegar covid do que o não vacinado, mas a imunização não é garantia contra a infecção. O maior benefício da vacinação, como afirmam os especialistas desde o início, é a redução da gravidade da doença, ou seja, do risco de internação e óbito. A vacina deixa menos provável, entre 20 a 30 vezes menos, que a doença evolua para o estado grave, em que o paciente precise ser hospitalizado ou venha a óbito.
Segundo, porque já existem suficientes evidências científicas de que a Ômicron, apesar de mais transmissível, é menos patogênica ou virulenta que as variantes anteriores do coronavírus.
"Mesmo quando se isola o impacto positivo da vacinação, estudos de laboratório mostram que a Ômicron tem menos predileção pelo trato respiratório baixo, pelas células do pulmão", explica o infectologista Naime Barbosa.
Um estudo divulgado no mês passado pelas autoridades sanitárias da África do Sul, onde a Ômicron se originou, indica que a chance de a infecção pela nova variante exigir a internação do paciente é 80% menor do que ocorria com as cepas anteriores do vírus.
Diante dessas particularidades previstas para a nova onda de covid, qual será o impacto sobre o sistema de saúde e quais devem ser as políticas públicas a serem adotadas?
Com uma alta taxa de transmissão e recorde no número de novos casos, é inevitável que ocorra uma pressão sobre o sistema hospitalar, principalmente nos prontos-socorros. Hospitais públicos e privados precisam se preparar para o aumento na procura de suas instalações. Vai ser necessário estar atento também para a abertura de novos leitos de covid-19, possivelmente mais de enfermaria do que de UTI — e com atenção especial para as vagas pediátricas.
Isso porque, mesmo sendo a Ômicron proporcionalmente menos letal, o grande número de novos casos vai acabar resultando em uma quantidade não desprezível de casos graves. É uma questão estatística. Digamos, apenas hipoteticamente, que a cada 100 indivíduos contaminados pela variante Delta um morria, e que com a Ômicron a proporção é de 1 a cada 500. Se, no entanto, a Ômicron for capaz de infectar mais pessoas, ainda assim teremos um grande número de casos graves.
Em uma população que já está previamente imunizada, haverá uma concentração maior (ainda que não exclusiva) desses casos graves e desses óbitos entre as pessoas não vacinadas, o que inclui as crianças até 11 anos, entre aquelas com comorbidades (é o caso da primeira morte pela Ômicron confirmada no Brasil) ou entre indivíduos que por alguma condição de saúde anterior, como uma doença autoimune, não adquiriram anticorpos com a imunização (é o caso do brasileiro que se tornou o primeiro a receber a pílula experimental da Pfizer de tratamento precoce contra covid-19, em Israel).
Ainda assim, a expectativa é que os óbitos não aumentem na mesma proporção da explosão de casos. Na Alemanha, por exemplo, no auge do registro de novos casos da atual onda de covid, no início de dezembro de 2021, chegou-se a uma média diária de 1 morte para cada 193 infectados. No pior momento da pandemia no país, em dezembro de 2020, a proporção atingiu a marca de 1 óbito por 39 casos novos na média diária de sete dias.
A abordagem das autoridades brasileiras diante dessa realidade também precisa ser diferente do que ocorreu nas ondas anteriores.
Não faz sentido, por exemplo, adotar as medidas de restrição de atividades econômicas das primeiras duas ondas, quando não havia vacinação em massa e as variantes eram mais agressivas, com fechamento de comércio, restaurantes e serviços.
Outras medidas, menos limitantes e com menor impacto econômico, são mais adequadas, como o uso de máscaras e a recomendação para que a população evite aglomerações. A realização do Carnaval 2022, portanto, está de fato ameaçada.
Também convém investir mais na estratégia de testagem em massa, inclusive com a liberação do autoteste pela Anvisa. É preciso facilitar o acesso dos cidadãos com sintomas leves aos testes, sem que precisem se expor em prontos-socorros, lotando-os desnecessariamente.
Com o teste com 80% de acurácia que se poderia comprar em uma farmácia para fazer em casa, como ocorre em muitos países da Europa, o cidadão pode confirmar se está ou não contaminado e a partir daí estabelecer uma estratégia individual para não infectar outras pessoas, isolando-se em casa por alguns dias.
Essa talvez seja a última grande onda da pandemia de covid-19. A vacinação, o uso de máscaras e a testagem em massa são as melhores estratégias para enfrentá-la.
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