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Diogo Schelp

Diogo Schelp

Internacional

O curto verão das relações entre Bolsonaro e Trump

O que o governo Bolsonaro ganha com a reeleição de Trump
Bolsonaro cumprimenta Trump: aliança estratégica mantida expectativa de ampliá-la. (Foto: Alan Santos/PR)

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Os brasileiros acompanham a eleição presidencial americana deste ano como se ocorresse entre o Oiapoque e o Chuí, como se fosse uma versão ianque das divisões políticas que definem nosso próprio país. Quem apoia o presidente brasileiro Jair Bolsonaro torce pela reeleição do republicano Donald Trump. Quem não apoia, sonha com uma vitória do democrata Joe Biden, como se isso simbolizasse um derrota de Bolsonaro. E ai de quem romper essa lógica. Inadmissível um bolsonarista reconhecer que Biden pode vencer. Impensável um antibolsonarista afirmar que Biden não seria muito melhor do que Trump para o Brasil. É verdade que os brasileiros viraram torcedores fanáticos do campeonato eleitoral americano em parte como resultado da relações entre Bolsonaro e Trump nesses quase dois anos de governos simultâneos. Mas não é só isso.

Sim, as relações entre Bolsonaro e Trump caracterizaram-se por um esforço, principalmente por parte da diplomacia brasileira, de alinhamento ideológico. E isso certamente ajudou a definir como os brasileiros, a depender do posicionamento político que adotam no âmbito doméstico, expressam suas preferências na eleição americana.

Outros fatores, porém, também influenciam nessa escolha de lados na disputa eleitoral nos Estados Unidos. As visões diametralmente opostas de Biden e Trump em questões raciais ou comportamentais, por exemplo, refletem divisões cada mais claras dentro da própria sociedade brasileira. As diferenças entre ambos sobre qual é a maneira correta de encarar a pandemia do novo coronavírus — ou, mais especificamente, a dicotomia entre "abrir para salvar a economia" versus "fechar para salvar vidas" — também reproduzem um debate que cindiu os brasileiros.

Ou seja, os principais temas em jogo na campanha eleitoral deste ano nos Estados Unidos fazem parte também das angústias e dos embates que vivemos em nosso próprio país. Natural que os brasileiros transfiram para a eleição americana suas expectativas ideológicas.

O voto mental não é capaz de definir resultado algum, assim como grito de torcida não faz gol. Mas vamos imaginar, por alguns instantes, que os cidadãos brasileiros pudessem votar nos Estados Unidos. Do ponto de vista dos interesses nacionais do Brasil, faria sentido o voto dos bolsonaristas em Trump ou o voto dos antibolsonaristas em Biden? Talvez não.

Se Joe Biden for o novo presidente eleito dos Estados Unidos, estará encerrado, depois de apenas dois anos, o curto verão das relações entre Bolsonaro e Trump. E qual terá sido o saldo dessas relações, que o governo Bolsonaro e seu chanceler Ernesto Araújo procuram definir como privilegiadas, vantajosas para o Brasil? Nem tão bom assim.

O déficit na balança comercial com os Estados Unidos (exportações menos importações) aumentou de 2019 para 2020. No ano passado, os americanos tiveram um saldo positivo de 374 milhões de dólares no comércio com os brasileiros. Foi um déficit para o Brasil relativamente baixo comparado com anos anteriores (desde 2010, apenas em 2017 tivemos superávit). Mas 2020 caminha para ser mais um ano altamente deficitário no comércio com os Estados Unidos: no acumulado até setembro, a diferença entre o que o Brasil exportou e importou já é de mais de 3 bilhões de dólares em favor dos americanos.

O fato de continuarmos tendo um déficit comercial com os Estados Unidos está longe de dizer tudo, é claro. A questão é que o Brasil não alcançou nenhum grande benefício palpável com a tão propalada aliança privilegiada com o governo Trump. Na realidade, mais cedemos do que ganhamos.

O Brasil aumentou a cota de importação de produtos agrícolas americanos em 2019 e, em contrapartida, levou uns bons meses, salvos pelo trabalho do Ministério da Agricultura de Tereza Cristina, para liberar a importação de carne brasileira pelos Estados Unidos, o que só ocorreu em fevereiro deste ano. Há dois meses, um retrocesso: Trump reduziu a cota de importação de produtos siderúrgicos brasileiros.

Ainda em 2029, o Brasil abriu mão do benefício do status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC) e, em troca, ganhou o apoio americano para entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Foi um fato consumado em troca de uma possibilidade, apenas, pois a aceitação do Brasil na OCDE depende dos outros países ricos do grupo — países que, diga-se de passagem, usarão a questão ambiental para impor dificuldades à candidatura brasileira.

No saldo geral, tudo o que o governo Bolsonaro tem para apresentar são palavras de apoio e de boas intenções da gestão Trump em relação ao Brasil. Não mais do que isso. Se o presidente fosse Biden, o americanismo ideológico da gestão Bolsonaro (encampado pelos ministérios das Relações Exteriores, do Meio Ambiente e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) teria de dar lugar ao americanismo pragmático (hoje representado pelos ministérios da Agricultura, da Economia e de Minas e Energia).

Menos falatório e mais ação. Poderia ser bom para o Brasil. Na excelente entrevista de Néstor Foster, embaixador brasileiro em Washington, à Gazeta do Povo, há uma clara menção ao foco pragmático que uma troca de governo nos Estados Unidos poderia trazer, ainda que o diplomata tenha deixado claro sua preferência por Trump: "O setor privado [americano] é amplamente a favor do aprofundamento das relações, e o setor privado, em princípio, não tem partido. Eles estão nos dois partidos ou acima dos dois", disse Foster na entrevista a Leonardo Desideri.

As últimas décadas já demonstraram que a combinação de governos de esquerda no Brasil e democrata nos Estados Unidos não garante uma relação melhor, com mais benefícios para o interesse nacional, do que, por exemplo, quando se tem um governo de esquerda aqui e republicano lá, ou de direita ou centro-direita aqui e democrata lá.

O ex-presidente e agora ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, dava-se muito bem com o presidente americano George W. Bush, do Partido Republicano. Após uma visita de Lula a Bush, o Brasil conquistou o apoio americano para liderar a missão da ONU no Haiti. E, quando Bush encerrou seu governo, telefonou para Lula convidando-o para pescar em sua fazenda no Texas.

Por outro lado, foi nos governos simultâneos de Dilma Rousseff (PT) no Brasil e de Barack Obama (Partido Democrata) nos Estados Unidos que a relação bilateral dos dois países viveu um de seus momentos mais tensos das últimas décadas. Em 2013, Dilma cancelou uma visita de Estado a Washington depois que se revelou que a gestão Obama espionava a presidente brasileira. O episódio só foi considerado oficialmente superado dois anos depois.

O verão das relações entre Bolsonaro e Trump, dependendo de como se observa, parece melhor na foto do que com o pé na areia: faz sol, mas a temperatura é outonal.

E mais quatro anos de governo republicano não seriam garantia de que, finalmente, em algum momento, o alinhamento traria benefícios concretos para os interesses brasileiros. Uma possível gestão de Joe Biden também não, é claro. Ela certamente representaria uma série desafios para o governo Bolsonaro, que precisaria se reposicionar em suas relações com os Estados Unidos.

Se substituir a ideologia pelo pragmatismo, o curto verão com jeito de outono das relações entre Bolsonaro e Trump pode dar lugar a um longo verão nas relações com Estados Unidos — seja o eleito no dia 3 de novembro Joe Biden ou Donald Trump.

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