Há duas semanas, o presidente Lula fez uma jogada arriscada nas negociações para a conclusão de um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul: diante da vitória de Javier Milei (um crítico do bloco sul-americano e do próprio acordo UE-Mercosul) para a presidência da Argentina, o brasileiro resolveu correr contra o relógio para assinar o tratado antes da posse do futuro “colega” e desafeto regional. Lula ligou para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para expor sua pressa e, com isso, elevou as expectativas de que o acordo de fato pudesse sair nesse fim de ano.
Nos últimos dias, no entanto, apareceram sinais claros de que o intento de Lula não vai se realizar e, o que é pior, de que não só pode ser adiado, como afundar de vez. As negociações previstas para acontecer esta semana, antes da Cúpula de Líderes do Mercosul no dia 7, não serão mais presenciais, conforme previsto, mas no formato remoto — um indício de que nada de muito concreto deve sair dali.
O motivo seria um recuo do presidente argentino Alberto Fernández, que teria desistido de assinar o acordo UE-Mercosul no apagar das luzes do seu governo. A pressa de Lula não caía bem para o seu aliado peronista. Se queria tanto fechar logo o acordo, o Brasil deveria ter feito o esforço antes, ao longo do ano, para afastar os obstáculos ambientais criados nos últimos meses pela União Europeia e também, é claro, aqueles inventados pelo próprio Brasil, como a proposta de incluir no texto proteção às empresas brasileiras em compras governamentais.
Macron, Bolsonaro, Lula, os argentinos e também os parlamentos de alguns países europeus que já se recusaram a ratificar o acordo são os principais culpados pelo impasse
O presidente francês Emannuel Macron, pressentindo que o castelo de areia estava prestes a desmoronar, se antecipou para tirar uma lasca político-eleitoral, afirmando, depois de um encontro com Lula na COP-28, em Dubai, que o acordo UE-Mercosul “não é bom para ninguém”. Macron quer deixar claro para o lobby agrícola francês – conhecido pelo viés protecionista e temeroso das potências agropecuárias que são o Brasil, a Argentina e o Uruguai – que se opôs ao acordo. De quebra, insinua que a culpa é do Brasil, que não cede nas exigências ambientais da Europa.
Essa justificativa começou com a insistência do ex-presidente Jair Bolsonaro de fazer pouco caso das preocupações internacionais com os recordes de desmatamento ao longo do seu governo.
O acordo UE-Mercosul vem sendo negociado desde 1999, quando o presidente do Brasil ainda era Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O nó das tratativas só foi desatado durante o governo de Michel Temer, que colocou grande empenho em afastar os obstáculos e contou com a parceria e boa disposição da então primeira-ministra alemã Angela Merkel. No primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro, Merkel conseguiu convencer Macron a ceder para concluir as negociações. Foi o que permitiu a Bolsonaro anunciar como grande conquista sua, naquele ano, o fechamento das bases do acordo com a União Europeia.
Mas a alegria durou pouco. Macron passou a agarrar cada deslizada de Bolsonaro na área ambiental como oportunidade para dizer que o acordo UE-Mercosul não poderia sair sem garantias de preservação da Floresta Amazônica por parte do Brasil. E Bolsonaro não se cansou de entregar essas oportunidades de bandeja ao francês, dando de ombro para as preocupações internacionais quando o mais inteligente teria sido fazer um esforço real para combater o desmatamento, demonstrando isso ao mundo, e, ao mesmo tempo, realçar a soberania brasileira sobre a maior parte da Amazônia.
A insistência de Bolsonaro em usar a questão ambiental em embates ideológicos lançou as bases para os novos obstáculos criados pelos europeus ao acordo UE-Mercosul que vieram a cair no colo do governo Lula. Este, por sua vez, quis revisar alguns pontos do acordo, levantando seus próprios obstáculos.
A conclusão é que a culpa pelo mau momento enfrentado nas negociações entre os blocos econômicos nos últimos dias recai sobre inúmeros fatores e personagens. Macron, Bolsonaro, Lula, os argentinos e também os parlamentos de alguns países europeus que já se recusaram a ratificar o acordo são os principais culpados pelo impasse. Faltou um líder influente, capaz de quebrar as resistências, e que realmente compreendesse a importância desse acordo para a economia dos países europeus e sul-americanos. Merkel carregava esse bastão – mas ninguém apareceu para assumi-lo.
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