Itens expostos no Museu do Holocausto, de Curitiba, ensinam sobre a perseguição sistemática aos judeus na Alemanha nazista| Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo
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Os crimes do comunismo merecem e devem ser expostos assim como foram e continuam sendo expostas as atrocidades do nazismo. Não é possível, porém, como se tentou fazer na última semana em um acirrado e inusitado debate público no Brasil, equiparar o comunismo ao nazismo. Equiparar significa igualar, dar o mesmo valor, significado ou peso.

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A discussão começou com a defesa da ideia de que, em nome da liberdade de expressão irrestrita, deveria ser permitida a existência de um partido nazista no Brasil. Seguiu-se uma onda de repúdio quase unânime a essa ideia, mas entre aqueles que se juntaram a esse coro houve quem fizesse uma ressalva: se partidos nazistas estão vetados, também deveria ser proibido a existência de partidos comunistas.

O argumento central dos defensores da ideia de que a proibição a partidos nazistas deveria se estender aos que pregam o comunismo é o de que os crimes cometidos em nome desta ideologia foram ainda maiores do que os perpetrados pelo nacional-socialismo de Adolf Hitler.

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Ou seja, o comunismo teria matado mais, foi ainda mais genocida, do que o nazismo. Envereda-se, então, pela comparação bruta dos números. Trata-se de uma competição inconclusiva e, no fundo, inócua.

Inconclusiva porque o que se tem são estimativas que se situam em grandes intervalos de milhões de pessoas. Matthew White, autor de O Grande Livro das Coisas Terríveis (Rocco), compilou os números apresentados por diferentes historiadores e percebeu que o resultado de quem é pior na contagem macabra das vítimas depende das fontes e dos critérios adotados. Assim, o ditador soviético Josef Stalin teria matado entre 3 e 50 milhões de pessoas, a depender da estimativa. O líder comunista chinês Mao Tsé-tung matou algo em torno de 40 milhões. Hitler, entre 11 e 25 milhões.

Mas na conta de Stalin e Mao estão também as mortes por inanição, forçada ou não, de milhões de pessoas. Se o critério for o de incluir apenas os assassinatos deliberados, Hitler matou mais do que Stalin e Mao somados, segundo o levantamento de White. Além disso, sua matança ocorreu em um espaço mais curto de tempo.

Mas a comparação numérica é inócua, que só serve para demonstrar que tanto o comunismo quanto o nazismo são ideologias que resultaram em tiranias extremamente sanguinárias. Não explica de fato em que medida elas podem ser consideradas equivalentes e, mais importante, não ajuda a responder à pergunta: se partidos nazistas devem ser proibidos, agremiações comunistas também devem ser?

Para responder a isso, é preciso entender o que realmente há em comum e o que há de diferente entre essas duas ideologias.

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A diferença central está nos objetivos, declarados ou não, do nazismo e do comunismo. O primeiro tem a noção de raça superior e a limpeza étnica em seu cerne, sendo a "solução da questão judaica" (como os nazistas chamavam o plano de expulsão e genocídio dos judeus) a pedra fundamental para poder construir um Grande Reino Germânico Mundial ("Grossgermanischen Weltreich"), ao qual apenas "povos irmãos" dos alemães poderiam ser integrados.

O historiador Konrad Kwiet, em capítulo escrito para a Enzyklopädie des Nationalsozialismus, define o programa ideológico do nazismo como uma "utopia sociobiológica, em que o racismo assume uma posição central".

O comunismo marxista também é uma utopia, mas de outra natureza. Busca a superação do capitalismo e a construção de uma sociedade em que a maioria proletária da população dá as cartas. Isso pressupõe a destruição da sociedade burguesa, ainda que por meios violentos e coercitivos. A revolução do proletariado pressupõe a desapropriação, o emprego da força e a eliminação de adversários.

No comunismo, portanto, os fins justificam os meios violentos. No nazismo, o extermínio é a própria finalidade.

Em um debate em torno justamente da comparação entre as monstruosidades cometidas pelo nazismo e pelo comunismo, no ano 2000, com o jornalista e acadêmico Anatol Lieven, a historiadora Anne Applebaum, autora de diversos livros sobre a repressão e os abusos ocorridos na União Soviética e no Leste Europeu, apontou o que ela considera ser um traço comum fundamental entre as duas ideologias: ambas valeram-se da retórica da desumanização de seus inimigos para que eles pudessem ser perseguidos e dizimados em grande escala.

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Essa tendência à desumanização foi o que produziu assassinos frios como os médicos Che Guevara e Josef Mengele, dispostos a matar em nome de suas ideologias.

Lieven, por sua vez, apontou que, ao contrário do nazismo, o comunismo assumiu diferentes formas em lugares e tempos diferentes. Em alguns lugares, a opressão comunista assumiu contornos de perseguição a grupos nacionais e de limpeza étnica. Em outros, não.

Nas últimas décadas, em países democráticos, herdeiros políticos do comunismo aboliram os meios violentos de sua agenda — seja por pragmatismo, seja por uma mudança genuína nos padrões morais —, ainda que a finalidade, a superação do capitalismo e instauração do socialismo, permaneça a mesma.

Eis porque, no Brasil, é possível ter partidos que carregam "comunismo" no nome. Pode-se enfrentar e combater seus objetivos por meio do debate político (e como é fácil fazê-lo!), em vez das armas. Seus militantes tentam ignorar os crimes cometidos pelo comunismo no passado soviético e no presente de ditaduras como a de Cuba, mas não se vê, por exemplo, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) desumanizando os adversários políticos e advogando sua segregação e extermínio.

Já um hipotético partido nazista seria racista e xenófobo por princípio. Se não fosse, não seria nazista.

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Existem representantes de uma certa direita irresponsável no Brasil que, no afã de se mostrar mais anticomunistas que os outros, acabam produzindo argumentos que relativizam os crimes do nazismo. E, o que é pior, em alguns casos o objetivo é esse mesmo.