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Diogo Schelp

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Internacional

O que esperar das relações entre o Brasil de Lula e a Venezuela de Maduro

Ditador venezuelano Nicolás Maduro chega a Brasília com sua mulher Cilia Flores para encontro com Lula. (Foto: Reprodução/Twitter)

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Depois de oito anos sem colocar os pés no Brasil, o ditador venezuelano Nicolás Maduro desembarcou em Brasília para se encontrar com Lula e outros presidentes sul-americanos, em encontro de cúpula organizado pelo Itamaraty. As relações entre os dois países esfriaram no governo de Michel Temer e congelaram nos quatro anos da presidência de Jair Bolsonaro, que enfrentou uma crise de refugiados venezuelanos e juntou-se a outros países no reconhecimento do opositor Juan Guaidó como governante legítimo da Venezuela.

A adesão do Brasil a uma estratégia de isolamento do regime de Maduro para pressionar pela volta da democracia na Venezuela não deu certo. Maduro de fato deu um golpe na Assembleia Nacional legitimamente eleita (de maioria opositora), promove a perseguição a opositores políticos e mantém a população em uma espécie de sequestro com uma combinação de miséria e dependência do Estado. Mas o afastamento nas relações bilaterais não contribuiu para mudar nada disso.

A questão é saber em que termos Lula, que em seus primeiros dois governos manteve um forte vínculo com a Venezuela chavista, pretende renovar essas relações.

A reaproximação era necessária e vinha sendo defendida inclusive por políticos e diplomatas de direita e centro-direita. A questão é saber em que termos Lula, que em seus primeiros dois governos manteve um forte vínculo com a Venezuela chavista, pretende renovar essas relações.

Nos tempos em que Hugo Chávez era presidente (ele morreu em 2013), período que coincidiu com os dois primeiros mandatos de Lula no Brasil, ambos gabavam-se de terem uma "parceria estratégica". Uma parceria estratégica na diplomacia ocorre quando dois países têm interesses em comum de longo prazo em uma vasta gama de campos, como na economia, na política e na segurança, e, para promover esses objetivos, aprofundam os mecanismos de cooperação nessas áreas.

Chávez atrapalhava negociações do Brasil em instâncias multilaterais globais e metia o bedelho em assuntos do Brasil com outros vizinhos da região.

Acontece que a tal "parceria estratégica" entre Brasil e Venezuela era problemática. Lula e Chávez tinham visões diferentes sobre as mudanças que pretendiam implementar no mundo. Lula (influenciado por seus assessores internacionais, como o então chanceler Celso Amorim) tinha uma visão reformista das instituições multilaterais. Ele queria mudar o sistema decisório internacional para dar mais voz a países como o Brasil. Chávez era revolucionário. Ele queria desmantelar o sistema internacional vigente para construir outro do zero no lugar — sempre, claro, a partir de uma perspectiva antiamericana.

O próprio Amorim, em seu livro Laços de Confiança: O Brasil na América do Sul, lançado no ano passado e que contém trechos de seus diários nos tempos de chanceler, admite que o que se tinha com a Venezuela era uma parceria "trabalhosa". Chávez atrapalhava negociações do Brasil em instâncias multilaterais globais e metia o bedelho em assuntos do Brasil com outros vizinhos da região.

Há quem diga que esses incômodos nas relações da Venezuela com o Brasil eram suportados ou ignorados por causa da afinidade ideológica, de esquerda, entre o PT de Lula e o chavismo. A proximidade política de fato existia (e ainda existe, como se comprova por recentes declarações da presidente do PT sobre a Venezuela) e vinha sendo cultivada desde antes da posse de Lula, em 2003, por meio de uma diplomacia partidária e de eventos como os do Foro de São Paulo.

Mas existiam outros países com governos de esquerda na região com os quais o governo Lula poderia ter tido uma relação tão ou mais próxima do que teve com a Venezuela. A "parceria" com a Venezuela, no entanto, superava até mesmo a lógica da afinidade política.

As políticas econômicas promovidas por Chávez destruíram a indústria e a produção agrícola nacional e aumentaram ainda mais dependência do país em relação ao petróleo.

Era a grana e a perspectiva que empresas brasileiras tinham de lucrar com contratos na Venezuela ou com o comércio com o país as principais forças magnéticas que faziam o Brasil se aproximar tanto da Venezuela, apesar do incômodo diplomático que Chávez representava.

Chávez concedia a empreiteiras brasileiras obras sem licitação que superavam, em muito, até mesmo os contratos que eram financiados com recursos do BNDES. Estima-se que os pagamentos do governo venezuelano por serviços fictícios ou superfaturados bancaram 40% de toda a propina paga pela construtora Odebrecht mundo afora, inclusive no Brasil.

Convém, portanto, comparar com a realidade atual da Venezuela. Em 2012, ano anterior à morte de Chávez, o PIB da Venezuela atingiu seu auge, de 372 bilhões de dólares, alavancado ainda pelo alto preço do petróleo, a principal commodity venezuelana. Nos anos que se seguiram, as políticas econômicas promovidas por Chávez, que destruíram a indústria e a produção agrícola nacional e aumentaram ainda mais dependência do país em relação ao petróleo, cobraram a conta.

Vamos assistir, claro, aos discursos de sempre, sobre amizade entre os governos e a necessidade de ajudar os vizinhos, e pouco ou nada sobre a falta de democracia na Venezuela.

O PIB venezuelano registrou sucessivas quedas em 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, até alcançar, em 2020, uma retração recorde de 30%. Só a partir de 2021, a tendência de queda começou a reverter. No ano passado, segundo algumas projeções, o PIB venezuelano cresceu cerca de 8%, ajudado mais uma vez pela alta no petróleo. Ainda assim, o PIB venezuelano alcançou 92 bilhões de dólares no ano, quase recuperando o patamar de 2018, mas ainda muito longe do seu auge.

Em resumo, a Venezuela não dispõe dos recursos para justificar um lobby empresarial em prol de uma relação bilateral prioritária, nos moldes daquela que existiu nos primeiros governos Lula.

O mais provável é que a reaproximação de Lula com Maduro se dê, em primeiro lugar, com o propósito de tentar reconstruir o papel do Brasil como líder regional, que dialoga com todos os governos, de esquerda ou de direita, e, em segundo lugar, como uma migalha ideológica para a base de apoio mais radical do partido do presidente, que se ressente das concessões dadas à direita no Congresso em nome da governabilidade (como o recente esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Originários).

Vamos assistir, claro, aos discursos de sempre, sobre amizade entre os governos e a necessidade de ajudar os vizinhos, e pouco ou nada sobre a falta de democracia na Venezuela. Mas, na prática, dificilmente as relações do Brasil de Lula com a Venezuela de Maduro terão a mesma intensidade que tiveram no período Lula/Chávez.

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