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Diogo Schelp

Diogo Schelp

Política

A estratégia da omissão e seus pecados

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Vacinação contra covid-19 em Madri, na Espanha (Foto: Oscar del Pozo/AFP)

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"Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz, nisso está pecando" (Tiago 4:17). Eis o pecado da omissão, descrito em diversas passagens da Bíblia. Em contraste com os pecados de comissão, resultantes de uma ação, os de omissão consistem em poder agir pelo bem do próximo, mas não fazê-lo. Uma omissão pode ser tão danosa quanto uma comissão, condenável também pela lei dos homens.

No Código Penal brasileiro, o crime de omissão pode ser próprio ou impróprio. Crimes omissivos próprios são aqueles que estão definidos em lei. Por exemplo, deixar de sustentar um filho menor de idade. Nos crimes omissivos impróprios, o réu responde não pela omissão em si, mas por suas consequências. Por exemplo, quando uma mãe sabe que a filha está sofrendo abuso sexual dentro de casa, mas nada faz para impedir. Em situações como essa, portanto, a omissão é equiparada ao ato causador do crime em si.

Os seres humanos não dão à imoralidade da omissão, apesar de bem definida na lei divina e na lei terrena, o mesmo peso da imoralidade da comissão. Diversos estudos psicológicos demonstram a tendência de as pessoas serem mais condescendentes com a omissão do que com a comissão.

Em um desses estudos de psicologia moral, conduzidos em 2011 por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, os autores concluíram, com base em experimentos controlados com voluntários, que "as pessoas condenam outras com menos rigor quando uma ofensa moral ocorre por omissão do que por comissão", mesmo quando o resultado é intencionalmente o mesmo. E mais: a omissão se torna mais frequente à medida em que a possibilidade de punição cresce. Os autores do estudo, cujo título é "A estratégia da omissão", concluíram que as "pessoas escolhem a omissão para evitar condenação" como uma estratégia, não como uma tendência natural.

E se a estratégia da omissão for adotada por um governante no contexto de uma grande crise de saúde pública, o que acontece? Se, por algum motivo, o cálculo político que for feito é o de que se omitir traz menos riscos de condenação pela sociedade do que assumir os custos de agir para evitar o desastre, e fracassar assim mesmo?

Já existe um caso concreto em que isso aconteceu. Foi por omissão que Thabo Mbeki (1999-2008), ex-presidente da África do Sul, agravou a epidemia de Aids em seu país nos primeiros anos deste século.

Durante o seu governo, Mbeki desprezou o consenso científico a respeito da Aids, preferindo amparar sua (falta de) política de saúde pública nos argumentos de um grupo minoritário de médicos negacionistas. Mbeki acreditava que era a pobreza, não o vírus HIV, que matava as pessoas e, por conta disso, obstruiu as medidas conhecidas e já existentes para evitar a transmissão da doença e o agravamento do quadro clínico dos sul-africanos já infectados.

Além de não investir em distribuição de coquetéis de medicamentos comprovadamente eficazes em proteger o sistema imunológico dos pacientes, ainda que não representassem a cura definitiva, Mbeki recusou, no ano 2000, doações feitas por uma indústria farmacêutica de um antirretroviral capaz de evitar que o HIV fosse transmitido de mulheres grávidas para seus bebês.

Mbeki espalhava fake news sobre esses medicamentos, colocando em dúvida sua segurança e eficácia. Em vez de combater a epidemia, ele defendia que bastava focar no crescimento econômico do país.

Segundo um estudo publicado em 2008 por um pesquisador da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, a omissão de Mbeki provocou 330.000 mortes adicionais por Aids entre 2000 e 2005 e deixou de evitar que 35.000 bebês nascessem infectados pelo vírus.

Repito: esse foi o número de mortes e bebês infectados que Mbeki poderia ter evitado se tivesse adotado a tempo as medidas que o consenso científico na época recomendava. Em 2005, a África do Sul registrou uma média de 900 mortes por Aids por dia.

Mbeki cometeu o pecado da omissão na condução da epidemia de HIV em seu país. E ele nunca se arrependeu disso e tampouco foi responsabilizado criminalmente.

No Brasil, a omissão no combate à Aids não existiu. O país foi considerado um exemplo mundial na prevenção e no tratamento de pacientes infectados pelo HIV.

A pandemia do novo coronavírus já matou mais brasileiros em doze meses do que a Aids em 23 anos.

A omissão é uma estratégia.

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