A não ser que uma grande surpresa aconteça (pois isso nunca pode ser descartado em se tratando da política brasileira) e a julgar pelas pesquisas que há meses refletem uma estabilidade no quadro eleitoral, o ex-presidente Lula e o presidente Jair Bolsonaro estarão no segundo turno das eleições deste ano.
Algumas atitudes polêmicas recentes dos dois pré-candidatos, que sob certo ângulo podem parecer contraditórias ou prejudiciais a eles próprios, na realidade são calculadas e pensadas já em antecipação ao jogo do segundo turno.
Lula tem o voto seguro de petistas, de uma parcela significativa de eleitores de baixa renda e de cidadãos que elegem até o diabo para não dar a Bolsonaro um segundo mandato.
Bolsonaro conta com uma base de apoiadores que o idolatram e a ele são fieis até o fim do mundo ou apocalipse pandêmico, é aceito como opção menos pior por quem já votou nele e está disposto a fazer isso de novo para evitar o retorno do PT e cada vez mais também ganha adeptos entre favorecidos pelo Auxílio Brasil (o Bolsa Família com outro nome e momentaneamente com valor turbinado).
Tanto Lula quanto Bolsonaro, porém, precisam disputar os votos daqueles que, no primeiro turno, não vão preferir nenhum dos dois e também dos indecisos e daqueles que, por enquanto, declaram voto nulo ou branco.
Uma análise rápida poderia fazer crer que, para isso, Lula precisaria neste momento amenizar o discurso e mostrar-se moderado para atrair o voto do centro.
Em vez disso, aventurou-se no espinhoso debate da liberação do aborto, criticou a classe média, cutucou os militares e sugeriu à sua militância que fosse à casa de parlamentares para constranger suas famílias e pressioná-los por pautas políticas.
Bolsonaro, por sua vez, vem colhendo índices de aprovação crescentes ao seu governo, em grande parte devido também à moderação do seu discurso. Passou um tempo sem falar mal das vacinas contra a covid-19, vem tentando chamar atenção para uma agenda positiva com pegada social e de realização de obras e reduziu confrontos com os outros poderes da República, em especial o Judiciário.
Nos últimos dias, porém, voltou a levantar a voz contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), manifestando, em comício após motociata realizada na Sexta-feira Santa, sua indignação contra a decisão do WhatsApp de só permitir a criação de comunidades com grande número de pessoas no aplicativo de mensagens após as eleições deste ano. O adiamento só acontecerá no Brasil, enquanto o resto do mundo já desfrutará da funcionalidade.
O anúncio feito pelo WhatsApp foi feito depois de, em fevereiro, a Meta, empresa que detém também o Facebook e o Instagram, se comprometer junto ao TSE em não adotar no Brasil medidas que possam facilitar a difusão de fake news nas eleições.
A criação das comunidades no WhatsApp possibilitaria novamente o disparo em massa de mensagens, recurso muito usado pela campanha de Bolsonaro em 2018.
A indignação de Bolsonaro com uma decisão que é, acima de tudo, uma escolha estratégica de uma empresa privada poderia ser compreendida como um atestado de que ele se valeu e pretende novamente se valer da disseminação de mensagens inorgânicas e inautênticas nas redes sociais, tática que favorece o espraiamento de desinformação e ataques a adversários com notícias falsas.
Suas falas de indignação também reavivam os embates com a Justiça Eleitoral brasileira e com seus principais ministros, que igualmente integram o Supremo Tribunal Federal (TSE).
Mas tanto Lula quanto Bolsonaro têm método em suas atitudes aparentemente polêmicas.
Lula radicaliza o discurso neste momento porque precisa energizar sua militância. Tempo de TV e estratégia digital não bastam. Eleição se ganha com o bloco na rua, e a mobilização da petezada é a maior força do ex-presidente. E é um desafio maior conseguir esse empenho dos militantes quando se acaba de anunciar como vice um ex-adversário político associado ao malvado "neo-liberalismo" e ao "fascismo" tucano.
Bolsonaro se sente de fato prejudicado por uma decisão empresarial que limita sua estratégia de chegar ao celular das tias do zap. Por outro lado, essa limitação vale também para o seu adversário. A regra não é só para ele; petistas também terão mais dificuldade de disseminar fake news. Afinal, apoiadores de Bolsonaro não vivem dizendo que a esquerda também se vale desse expediente?
O que Bolsonaro realmente está explorando com sua indignação contra o acordo entre WhatsApp e o TSE é a narrativa de que há um complô para impedir sua reeleição. O presidente busca, desde já, uma justificativa para a derrota ou — no limite — para uma recusa de aceitar o resultado da eleição.
Lula e Bolsonaro sabem como se comunicar com suas bases. E sentem que é chegada a hora de antecipar o segundo turno. A campanha em si já foi antecipada há muito tempo.
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