Enquanto o país estava com as atenções voltadas para os reflexos políticos e institucionais dos discursos do presidente Jair Bolsonaro e das manifestações por ocasião do 7 de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou — em regime de urgência, no afogadilho e praticamente sem discussão — o texto-base do novo Código Eleitoral. O objetivo do presidente da casa, o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), é votar os destaques já esta semana para submeter o texto ao Senado e, em seguida, à sanção presidencial a tempo de as regras valerem para as eleições de 2022. O texto é um golpe de Arthur Lira nos anseios dos brasileiros por regras mais rígidas para os partidos e políticos.
A legislação eleitoral brasileira estava mesmo precisando de uma atualização, sistematizando diferentes leis, normas e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral. Mas o calhamaço com mais de 900 artigos que emerge do Código Eleitoral aprovado na semana passada não passou pelas comissões da casa, onde poderia ser submetido ao escrutínio minucioso dos parlamentares e da sociedade.
O texto foi elaborado praticamente em segredo, sob os auspícios de Lira, e só divulgado em agosto pela relatora Margarete Coelho (PP-PI).
Há muitos pontos problemáticos. Um deles, que funcionou como "bode na sala" e foi alterado na versão que foi a votação, impediria o ex-juiz Sergio Moro e outros juízes, promotores, policiais e militares que tivessem deixado seus cargos há menos de cinco anos de concorrer a cargos eletivos no ano que vem.
Outros trechos que representam retrocessos permaneceram no texto, abrindo brechas para compra de votos (não há mais prisão prevista para quem transportar eleitores no dia da votação, por exemplo) e para caixa 2 de campanha, além de diminuir a transparência no uso do financiamento público pelos partidos (fundo partidário poderá ser usado até para comprar jatinhos e imóveis) e a punição a prestações de contas irregulares (com multas bem menores do que em eleições anteriores).
Além disso, Lira conseguiu enfiar no pacote uma promessa de sua campanha para a presidência da casa, que muito agrada a parlamentares de diferentes matizes políticos. Trata-se de um afrouxamento nas regras de punição da Lei da Ficha Limpa. É uma mudança que favorece políticos que têm problemas na Justiça. Isso porque o Código Eleitoral limita em oito anos o tempo de ineligibilidade. Antes, a perda dos direitos políticos podia demorar mais a depender do andamento do processo.
Esse alívio para políticos enrolados na Ficha Limpa foi uma das iscas concedidas por Lira no final de 2020 para conseguir o apoio do PT à sua eleição para a presidência da Câmara.
Não por acaso, o texto-base do Código Eleitoral teve o apoio tanto da base governista quanto de boa parte da oposição.
Lira já havia demonstrado empenho, este ano, na aprovação de mudanças na Lei de Improbidade Administrativa e da PEC da Imunidade, ambas com o intuito de aumentar a impunidade para políticos e funcionário públicos infratores.
Enquanto o país se distraía com discussões sobre golpe ou não golpe, Lira puxava o tapete dos brasileiros que defendem a agenda da política limpa, implacável com os desvios éticos e com a corrupção.
É nele que o presidente Jair Bolsonaro se escora para que nenhum dos mais de 130 pedidos de impeachment seja retirado da gaveta. Tá explicado.
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