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Indicado por Lula para presidir o IBGE, Márcio Pochmann é o que se costuma chamar de "economista heterodoxo". Heterodoxo é alguém que foge dos padrões aceitos ou prevalentes numa área de conhecimento, contrariando suas ideias centrais e tradicionais — na maioria das vezes testadas e confirmadas ao longo do tempo. Um certo tipo de heterodoxia pode ajudar a trazer inovação ao pensamento econômico. Há quem diga, por exemplo, que o bem-sucedido Plano Real, que acabou com a hiperinflação no Brasil, sustentou-se em princípios heterodoxos. Há um tipo de heterodoxia, no entanto, que não passa de repetição de modelos ou ideias econômicas historicamente fracassados. O socialismo, uma heterodoxia econômica, é o exemplo mais óbvio e conhecido.
A linha de pensamento de Pochmann enquadra-se no segundo tipo de heterodoxia econômica. Em vez de inovação, ela resiste a novidades; em vez de rigor técnico, ela mergulha o debate econômico em dogmas ideológicos ultrapassados. Isso fica bem evidente nas críticas que Pochmann fez ao lançamento do Pix, em 2020. “Com o Pix, Bacen [Banco Central] concede mais um passo na via neocolonial à qual o Brasil já se encontra ao continuar seguindo o receituário neoliberal. Na sequência, vem a abertura financeira escancarada com o real digital e a sua conversibilidade ao dólar. Condição perfeita ao protetorado dos EUA”, escreveu o economista em uma rede social.
O Pix foi uma inovação muito bem-sucedida. Se fosse ruim para a população, não teria sido adotado pelos brasileiros tão rapidamente, fazendo do país em pouco tempo o vice-campeão mundial em pagamentos instantâneos. Mas Pochmann só conseguiu enxergar o novo sistema de pagamentos, que reduziu custos e burocracia bancária para os cidadãos e aumentou a inclusão financeira para os mais pobres, sob a ótica do antiamericanismo e do medo do bicho-papão neoliberal.
O cargo que Pochmann irá ocupar, o de presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), exige acima de tudo apego a critérios técnicos. Trata-se da instituição responsável não apenas pela elaboração e divulgação dos resultados do Censo Demográfico, que embasam as políticas políticas públicas, mas também pelas estatísticas oficiais de inflação, mercado de trabalho e crescimento econômico.
Sem dados confiáveis, na Argentina era impossível reajustar salários de forma justa e não se conseguia descobrir o tamanho da pobreza crescente no país
Quando a ideologia e os interesses políticos contaminam o trabalho técnico de instituições como o IBGE, o resultado é o caos, como comprova o caso da Argentina.
Entre 2007 e 2016, nos governos de Néstor e Cristina Kirchner, o equivalente argentino do IBGE, o Indec, sofreu interferência política e seus técnicos foram pressionados a maquiar os dados econômicos, especialmente de inflação e de PIB. Como a realidade econômica não era favorável à imagem do governo e aos cálculos para o pagamento dos credores da dívida argentina, os Kirchner acharam que bastava contar uma história diferente divulgando números falsos, mais positivos. Assim, a inflação acumulada no período de dez anos, que segundo o governo foi de cerca de 90%, na realidade chegou a 170%, no cálculo de entidades independentes — que eram multadas por ousar desafiar os números oficiais.
A maquiagem das estatísticas destruiu a credibilidade do Indec, do governo e, aos olhos de investidores e credores externos, da Argentina em si. Sem dados confiáveis, era impossível reajustar salários de forma justa e não se conseguia descobrir o tamanho da pobreza crescente no país, além de criar uma situação de incerteza que alimentava o próprio dragão da inflação.
Não é preciso que Márcio Pochmann chegue ao extremo de maquiar os números descaradamente, como fez o Indec nos governos Kirchner, para abalar a credibilidade do IBGE. Basta que continue ventilando suas ideias heterodoxas em entrevistas, que promova um aparelhamento do IBGE com funcionários de perfil ideológico, como fez durante sua presidência no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômico Aplicada) entre 2007 e 2012, e que defenda mudanças metodológicas nos índices para que se instale a suspeita de que o padrão técnico no órgão foi abandonado em prol de interesses imediatos do Palácio do Planalto, abalando a credibilidade dos dados oficiais.
Como mostra o exemplo argentino, quando se está lidando com estatísticas, credibilidade é tudo — e desconfiança pode gerar o caos.