Quando uma pessoa gosta de um político, não há que fazer. Os ouvidos se fecham para os eventuais absurdos de suas declarações, a vista embaça ao ler as manchetes com fatos negativos sobre seus atos e a mente se embaralha na tentativa de encontrar justificativas para decisões que, racionalmente, seriam consideradas decepcionantes. É assim com quem nega a ficha corrida de Lula, com quem garante que Dilma Rousseff foi uma grande "presidenta", com quem acha os arroubos de Ciro Gomes lindos, e assim por diante. Trata-se de um quadro de autoengano, que agora se manifesta nos apoiadores que não enxergam que o presidente Jair Bolsonaro dilmou.
Bolsonaro dilmou porque, a exemplo da ex-presidente Dilma em 2014, está promovendo uma gastança desenfreada e injustificável para vencer as eleições deste ano. Os gastos públicos de Dilma no ano da sua reeleição foi um portento, ultrapassando a arrecadação pela primeira vez desde o Plano Real, 20 anos antes. O Tesouro sofreu rombo recorde de 17,2 bilhões de reais.
O tamanho do estrago da PEC do Desespero, a Proposta de Emenda a Constituição aprovada no Senado que aumenta o valor do Auxílio Brasil e distribui dinheiro para caminhoneiros, taxistas e para subsidiar o transporte nos estados, ainda está para ser descoberto. Fala-se inicialmente em 42 bilhões de reais acima do teto fiscal, que se somam a outros 100 bilhões para uniformizar o ICMS e derrubar o preço dos combustíveis. Mas é bem possível que a gastança, até as eleições, vá muito além disso. Afinal, a PEC na qual Bolsonaro dilmou está alicerçada na decretação de estado de emergência, que permitirá ao governo seguir atirando dinheiro pela janela.
Muito já se falou sobre as consequências disso. Em primeiro lugar, se existe a tal situação de emergência que justificaria arrombar o teto de gastos, do ponto de vista da situação social dos brasileiros, então ela está aí há bastante tempo, pelo menos desde início de 2021. Houve até sinais de melhora nos últimos meses, apesar do aumento da inflação. Então porque isso não foi feito antes, em vez de aos trancos e barrancos a poucos meses da eleição?
Em segundo lugar, a gastança pública pressiona os juros, afasta investidores, atrapalha o crescimento econômico, entre outros impactos que começarão a ser sentidos no médio e longo prazo. Em resumo, a PEC foi pensada para agradar uma parcela do eleitorado com benesses imediatas, mas a conta vai chegar salgada, para todos, depois das eleições.
Não é a primeira vez que Bolsonaro dilmou. Ele foi acusado de dilmar quando fez a primeira troca de presidente da Petrobras (e, se é assim, dilmou do mesmo jeito outras duas vezes) e quando ameaçou demitir o presidente do Banco do Brasil por causa do fechamento de agências, uma medida de gestão necessária para a saúde financeira do banco, no início de 2021.
E Bolsonaro dilmou de novo quando enviou ao Congresso Nacional, no ano passado, um orçamento com um déficit de quase 50 bilhões de reais.
Por que Bolsonaro dilmou, se ele fala das políticas dos governos petistas como se fossem o próprio fogo do inferno?
Bolsonaro dilmou porque quer se reeleger a qualquer custo e porque, assim como as pessoas que apoiam políticos cegamente, ele está enfrentando um quadro de autoengano.
O autoengano se caracteriza pela atitude de iludir-se em relação à realidade, para evitar ter de se confrontar com verdades inconvenientes. O autoengano faz as pessoas se verem sempre como vítimas, não como donas de seus destinos e de suas escolhas. O autoengano faz as pessoas negar seus erros, mesmo que apontem os mesmos erros para outros. É aquela história do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.
O autoengano é a enfermidade dos hipócritas.
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