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Comecemos por resumir o legado do Partido dos Trabalhadores (PT) nos quase 16 anos em que esteve no poder. Lula herdou para o seu primeiro mandato a estabilidade da moeda e algumas reformas conquistadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PDSB). Beneficiou-se com o crescimento da demanda por commodities que o Brasil produz em abundância, em especial no agronegócio e na mineração. Isso lhe permitiu investir em programas sociais. Mas já a partir de meados do segundo mandato, e principalmente no governo da sua sucessora Dilma Rousseff, a coisa começou a desandar. Gastos públicos crescentes, subsídios do BNDES, intervenção na Petrobras e populismo cambial criaram uma crise econômica que reverteu os ganhos sociais dos anos anteriores. Além disso, o Brasil conheceu o maior esquema de corrupção de sua história e o PT colocava suas unhas autoritárias de fora, com ameaças de controlar a imprensa e com um discurso de "nós contra os outros". Esse projeto de poder desponta novamente no horizonte — e quem está nos empurrando de volta para o PT é o presidente Jair Bolsonaro, que se elegeu justamente com o discurso antipetista.
Os cenários para 2022 são implacáveis nesse sentido. Na última pesquisa Datafolha, Lula venceria Bolsonaro no segundo turno por humilhantes 58% contra 31% dos votos. "Ah, mas eu não acredito na Datafolha", diz o leitor. Que tal a pesquisa XP/Ipespe, também divulgada na semana passada, que encontrou 49% dos votos para Lula e 35% para Bolsonaro em um eventual segundo turno?
Também desconfia? E o levantamento do Ipec, que dá 49% a Lula e apenas 23% a Bolsonaro já no primeiro turno, com outros candidatos na disputa, o que coloca o petista perto de matar a eleição na primeira rodada? "Não é possível", diz o leitor. Então vamos ficar com o Paraná Pesquisas, que encontrou empate técnico no cenário que teria apenas Lula e Bolsonaro na disputa, o primeiro com 40,2% e o segundo com 40%. Ainda assim, vemos aí uma chance real de o petista derrotar o presidente sem partido.
Não é à toa que Bolsonaro grita "fraude!" a todo instante a mais de um ano das eleições. Prova de que está preocupado com as pesquisas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) recolocou Lula no jogo eleitoral, mas politicamente é Bolsonaro quem está favorecendo o petista, empurrando o Brasil de volta para o PT.
Primeiro, o presidente faz isso por sua gestão desastrosa da pandemia do novo coronavírus. Para chegar a essa conclusão, nem é preciso recorrer à CPI da Covid no Senado. Muitos comentaristas sem políticos de estimação e sem rabo preso com ninguém, alguns dos quais aqui na Gazeta do Povo, já vínhamos alertando há muito tempo que a política de Bolsonaro negava a realidade e estava agravando a pandemia, potencializando as mortes. O resultado é que a carnificina pandêmica e a indiferença do presidente em relação a ela oblitera os desastres econômicos dos anos de Dilma Rousseff.
Segundo, Bolsonaro empurra o país de volta para o PT ao adotar uma postura de tal forma autoritária que faz os abusos e perseguições políticas da era petista parecer brincadeira de criança. E essa impressão se sustenta no fato de que Bolsonaro tem algo que o PT não tinha: a simpatia das Forças Armadas e, como ficou mais claro recentemente, até a conivência do alto comando da instituição com a crescente politização da caserna.
Talvez, se dispusesse desse instrumento de força, o PT poderia ter sido até mais ousado em seus arroubos autoritários. Mas não tinha, e é essa a impressão que fica.
Terceiro, e mais importante, ao longo dos últimos dois anos Bolsonaro uniu-se tacitamente ao PT para sufocar a viabilidade de qualquer projeto que viesse a aparecer no centro político, entre ele e o partido de Lula. Bolsonaro e seu exército de influenciadores construíram a narrativa de que qualquer crítico do governo é "comunista disfarçado", "falso liberal", "falso conservador", etc.
A estratégia de desqualificar adversários, às vezes apenas por serem potenciais adversários, começou com alguns governadores, continuou com os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro (este, o maior alvo), e agora avança em direção a Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, que se apresenta como pré-candidato presidencial pelo PSDB.
O apresentador Luiz Datena, que acaba de confirmar que é pré-candidato pelo PSL, o antigo partido do presidente, pode se preparar que a sua vez de passar pelo moedor de carne reputacional ainda vai chegar. "Se eu sou pré-candidato, é óbvio que vou ser oposição a Bolsonaro", disse Datena. O que vão dizer de Datena?
Está triste porque o PT pode voltar? Pode reclamar com o presidente, que criou as condições para isso.