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José Antônio Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, propôs na semana passada que juízes e procuradores da República só possam se candidatar a cargos políticos oito anos depois de deixarem a magistratura ou o Ministério Público. Cheio de boas intenções, Toffoli diz não querer que juízes e procuradores usem o poder e a visibilidade que a função pública lhes dá para fazer "demagogia" com fins políticos. Ninguém teve dúvida de que a proposta de Toffoli é nada mais, nada menos a de uma lei anti-Moro.
Ineligibilidade de oito anos é o que hoje se aplica como punição a agentes públicos que fizeram algo de errado. Em outras circunstâncias, para disputar a presidência e a vice-presidência, pela lei atual o período de espera é de 6 meses para potenciais candidatos que exerceram funções de ministros de Estado a magistrados e prefeitos. Mudar a lei para equiparar agentes públicos com ficha limpa àqueles que foram cassados ou condenados seria obviamente desproporcional. Mas é o que sugere Toffoli.
O incômodo de Toffoli e outros ministros do STF com o protagonismo do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro é antiga e se juntou, agora, às preocupações políticas do presidente Jair Bolsonaro, que vê em seu ex-ministro da Justiça o maior obstáculo à sua reeleição em 2022.
Pensamento autoritário é isso aí: cogitar mudar as leis para tirar um adversário político específico do páreo eleitoral.
A declaração de Toffoli lembrou-me de um episódio ocorrido em 2010, em Israel, quando foi introduzida uma lei no parlamento, o Knesset, exigindo que jornalistas que quisessem disputar eleições deveriam abandonar suas atividades profissionais 1 ano antes. O alvo era o apresentador de TV, colunista de jornal e escritor Yair Lapid, que pretendia concorrer ao posto de primeiro-ministro.
Lapid tornou a lei desnecessária ao abandonar a carreira jornalística e entrar em definitivo para a política (atualmente, é líder da oposição no Knesset). Afinal, a tal lei não poderia valer para quem já havia deixado a carreira para trás, apenas para quem o fizesse depois de ela ser aprovada.
No Brasil, deveria acontecer a mesma coisa se a ideia de Toffoli ganhar força. Moro já está fora da magistratura e nenhuma alteração nas regras de ineligibilidade deveria poder atingi-lo de maneira retroativa. Mas há dúvidas quanto a isso e, no fim das contas, quem daria a palavra final sobre a constitucionalidade de uma mudança que acabaria com os possíveis planos eleitorais de Moro seria o próprio STF.
Ao levantar a lebre do uso político da magistratura, porém, Toffoli nos obriga a questionar também a postura de outros agentes públicos que se valem de cargos de grande poder como trampolim para seus interesses pessoais.
O que dizer da atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do ministro da Justiça, André Mendonça, que foram apresentados pelo presidente Bolsonaro como "candidatos" à vaga no STF que se abrirá em novembro deste ano com a aposentadoria de Celso de Mello?
Não se trata de um cargo eletivo, mas é um de grande poder e prestígio. A vaga de ministro do STF, é bom lembrar, na prática é preenchida por um único "eleitor": o próprio presidente.
Se a função de juiz, segundo a argumentação de Toffoli, é tão influente assim a ponto de exigir uma "quarentena" de oito anos, o que dizer de altos cargos públicos como o de procurador-geral da República, de ministro de Estado e de advogado-geral da União (que o próprio Toffoli ocupava antes de ser nomeado para o STF)?
Não pode haver desvio de função ou uso político para benefício pessoal nesses casos, também? Por que um procurador precisaria esperar quase uma década para se submeter à vontade popular nas urnas, mas o chefe do Ministério Público pode saltar direto para o Supremo Tribunal Federal, bastando para isso uma indicação? Isso não é um incentivo para o uso demagógico de uma função pública, também?
Aras, que abriu guerra aberta contra a Operação Lava Jato, tem tido uma atuação exemplar — do ponto de vista dos interesses de Jair Bolsonaro. Ele tem grande poder de agradar ou desagradar o presidente: bastar engavetar ou acelerar inquéritos que constrangem Bolsonaro e aliados.
Mendonça, por sua vez, fez do Ministério da Justiça e da Segurança Pública o escritório de advocacia do presidente, ameaçando enquadrar na Lei de Segurança Nacional jornalistas e cartunistas que criticaram Bolsonaro e tendo em seus quadros funcionários que se dedicam a produzir dossiês contra policiais e professores de oposição (ele disse que nada sabia sobre isso).
Estariam Aras e Mendonça disputando o "voto" de Bolsonaro pela vaga no STF, desviando-se de suas obrigações ou funções? Nem é preciso responder. A mera hipótese de que isso possa estar ocorrendo demonstra que demagogia, mesmo, é fazer crer que o problema se resume a juízes e procuradores que buscam os holofotes.