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Diogo Schelp

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Política

Lei contra “discriminação” mantém brecha para punir quem criticar políticos

discriminação
Arthur Lira, presidente da Câmara, colocou PL que blinda políticos para votação em regime de urgência (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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O Projeto de Lei 2720/23, que torna crime a "discriminação" contra políticos e outras autoridades, além de seus parentes, é o verdadeiro PL da Censura. Aprovado pela Câmara dos Deputados na calada da noite de quarta-feira (14), depois de ter sido colocado em votação em regime de urgência pelo presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), sem uma discussão aprofundada com participação da sociedade civil, o texto que estabelece mais um privilégio aos políticos agora segue para apreciação do Senado. Se lá também for aprovado e depois sancionado pelo presidente Lula, o Brasil terá uma lei chavista para chamar de sua.

O PL contou com o voto de deputados de esquerda, de centro e de direita e vem sendo falsamente apresentado por seus defensores como uma medida que se restringe a impedir a discriminação financeira de pessoas politicamente expostas. Não se trata de criminalizar a crítica aos políticos, dizem os políticos (que obviamente não gostam de críticas e adorariam proibi-las), mas de impedir que instituições financeiras se recusem a prestar serviços, como abertura de contas bancárias ou concessão de crédito, a pessoas que ocupam cargos públicos (em nível federal, estadual e municipal), legisladores, generais, integrantes da elite da Justiça e do Ministério Público, presidentes e tesoureiros de partidos, além dos "colaboradores estreitos" e parentes de segundo grau de toda a lista de privilegiados acima.

Se não quiser que o Brasil vire uma Venezuela, o Senado deve enterrar a vergonhosa lei contra a "discriminação" de políticos.

Mas a intenção dos legisladores nunca foi a de restringir a blindagem de políticos apenas aos serviços financeiros, o que por si só já seria um retrocesso, pois dificulta o combate à lavagem de dinheiro e o uso de "laranjas" em operações financeiras. No texto original do PL, de autoria da deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha do deputado cassado Eduardo Cunha, a intenção de censura era explícita. O artigo 4º dizia:

"Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro, somente em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso ou por ter decisão de condenação sem trânsito em julgado proferida em seu desfavor. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa."

É isso mesmo, prezada leitora ou leitor: o PL possibilitaria punir com 2 a 4 anos de prisão quem, por exemplo, chamar de "corrupto" um político que responde a processo de corrupção ou de "laranja" um parente que empresta seu nome para empresas ou contas de fachada.

Se atualmente os crimes contra a honra previstos no Código Penal (calúnia, difamação e injúria) já são usados para calar críticas a personalidades públicas, imagine o quanto aumentaria a censura judicial no Brasil com uma lei voltada especificamente para punir a "injúria" contra políticos acusados de falcatruas. E o que é pior, com uma pena superior à que o Código Penal prevê para injúria em outros casos, que é de um mês a seis meses de detenção ou multa.

No texto aprovado pela Câmara dos Deputados foi suprimido o artigo que menciona explicitamente a punição à injúria contra os políticos. Mas a versão que seguiu para o Senado mantém brecha para a censura a quem fizer críticas a políticos e autoridades. O artigo 3º do texto aprovado diz o seguinte:

"Serão punidos na forma desta Lei os crimes resultantes de discriminação cometidos em razão da condição de pessoa politicamente exposta, ou de pessoa que esteja respondendo a investigação preliminar, termo circunstanciado, inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, ou de pessoa que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso."

Ora, a palavra "injúria" sumiu, mas o PL continua prevendo a punição à discriminação contra pessoas politicamente expostas. E o que é discriminação? O termo permite uma interpretação bastante ampla e os juizes, se tomarem por base os conceitos de discriminação de cunho racial, por exemplo, serão levados a punir qualquer tipo de comentário negativo em relação às tais pessoas politicamente expostas. Discriminação pode ser compreendida como qualquer comportamento ou fala de distinção, exclusão, restrição ou preferência em virtude de uma característica ou condição social de uma pessoa.

Ou seja, o texto que foi aprovado é potencialmente pior do que o anterior, pois dá margem a uma interpretação ainda mais ampla e subjetiva do que seria a discriminação contra políticos. E qual seria a pena? O artigo 3º não diz e, na ausência desse detalhamento, o juiz precisará recorrer ao que define o artigo seguinte, que trata especificamente da "discriminação financeira" contra as pessoas politicamente expostas:

"Art. 4º: Negar a celebração ou a manutenção de contrato de abertura de conta corrente, concessão de crédito ou de outro serviço, a qualquer pessoa física ou jurídica, regularmente inscrita na Receita Federal do Brasil, em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou de pessoa que esteja respondendo a investigação preliminar, termo circunstanciado, inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, ou de pessoa que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso: Pena: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa."

Como o artigo 3º omite a pena para a discriminação contra políticos, será aplicada a pena descrita no artigo 4º, ou seja, 2 a 4 anos de prisão e multa.

O texto que blinda políticos de críticas, aprovado vergonhosamente na Câmara dos Deputados, faz lembrar uma lei aprovada em 2017 na Venezuela e que nos últimos anos vem sendo aplicada para prender opositores ao regime ditatorial de Nicolás Maduro. Trata-se da Lei contra o Ódio, um texto poderoso, extremamente amplo, focado principalmente em enquadrar jornalistas e empresas de comunicação, mas não apenas, e que finge se propor a "garantir o reconhecimento da diversidade, da tolerância e do respeito recíproco", por meio da erradicação de "toda forma de ódio, desapreço, assédio, discriminação e violência".

A lei venezuelana coloca no mesmo balaio de delitos a discriminação, o discurso de ódio e a violência por motivação política, racial, religiosa, étnica, de identidade de gênero e de orientação sexual. A pena é de dez a vinte anos de prisão. Também prevê sanções específicas a partidos políticos que incorram na discriminação contra pessoas ou grupos por essas razões. Ao colocar a motivação política ao lado das outras formas de discriminação, o regime chavista deu um verniz de bom mocismo à lei, que na prática serviu de instrumento para a perseguição judicial de opositores.

Em 2020, a agência Reuters fez um levantamento de 40 prisões feitas na Venezuela com base na Lei contra o Ódio e descobriu que todas elas tiveram como alvo cidadãos que haviam tecido críticas ao ditador Nicolás Maduro, a funcionários do governo ou a seus aliados. Se não quiser que o Brasil vire uma Venezuela, o Senado deve enterrar a vergonhosa lei contra a "discriminação" de políticos.

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