Ao longo dos dois anos em que Lula fez de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, o bode expiatório de tudo o que pudesse dar errado na economia do país por causa, segundo ele, dos "irracionais" juros altos, havia uma narrativa política que se encaixava com perfeição nessas críticas. Campos Neto havia sido indicado pelo antecessor de Lula na Presidência, Jair Bolsonaro, e nunca escondeu sua proximidade com o campo bolsonarista. Exemplos disso foi o fato de Campos Neto ter ido votar em 2022 com a camisa da seleção brasileira, na época a indumentária "oficial" dos apoiadores do ex-presidente, e a homenagem dada a ele pelo governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, pupilo de Bolsonaro, em junho deste ano.
Sempre que achava por bem criticar a taxa básica de juros praticada pelo Banco Central, que tem autonomia para tal, Lula recorria à narrativa de que Campos Neto agia não por critérios técnicos, mas por motivação política. O objetivo seria prejudicar o governo Lula por meio de juros que freiam a atividade econômica. Campos Neto foi chamado pelo presidente de "adversário político e ideológico", "esse cidadão" e "esse rapaz", e foi acusado por ele de ter "lado político", de "trabalhar para prejudicar o país", de "não entender de Brasil" e "de povo" e de não ter autonomia de fato (dando a entender que se submete aos objetivos políticos de seus adversários).
Bastaria Lula olhar para o exemplo da Argentina e entender como a inflação prejudica principalmente os mais pobres, porque corrói a renda. Não adianta ter correção inflacionária de salários a cada 12 meses
Escolhido por Lula para substituir Campos Neto após o final do seu mandato, em janeiro, Gabriel Galípolo já integra o Banco Central no posto de diretor de Política Monetária. Lula e o PT alardeiam há meses que a trajetória dos juros vai mudar depois que Campos Neto sair e Galípolo ocupar o seu lugar. Mas não é o que indica sua atuação no Copom (Comitê de Política Monetária), que define a Selic (taxa básica de juros). Na última reunião em que foi decidida a elevação da taxa para 12,25% ao ano, por exemplo, Galípolo votou a favor dessa decisão junto com Campos Neto e os demais diretores. A razão para a medida é técnica: a inflação está estourando o teto da meta e é preciso contê-la. A taxa de juros é o instrumento que o BC tem para isso. Ajudaria se o governo fizesse sua parte para estabilizar o mercado, promovendo um verdadeiro equilíbrio fiscal.
Nesse domingo (15), o presidente Lula voltou a criticar a taxa de juros. Disse que a Selic acima de 12% "não tem explicação" e é "a única coisa errada" na economia brasileira. Também disse que ninguém tem "mais responsabilidade fiscal" do que ele. E falou algo que passou a impressão de que acredita que, na gestão de Gabriel Galípolo, poderá ter influência sobre as decisões do BC: “Precisamos de juros mais baixos para que o Brasil cresça, gere emprego e alivie o peso sobre a população. Essa será uma prioridade no próximo ano.” Essa será a prioridade? Como o governo pretende fazer isso? Há algo combinado com Galípolo?
As falas de Lula mostram o quanto vai ser difícil a vida do próximo presidente do BC. Lula acha que o único problema do Brasil é a taxa Selic a 12,25% ao ano e não o fato de o arcabouço fiscal, aprovado em seu governo para garantir o equilíbrio das contas públicas, ter virado uma peça de ficção.
Bastaria Lula olhar para o exemplo da Argentina e entender como a inflação prejudica principalmente os mais pobres, porque corrói a renda. Não adianta ter correção inflacionária de salários a cada 12 meses. Entre uma correção e outra, a pessoa empobrece. Seria muito menos sofrido fazer os ajustes fiscais na conjuntura econômica atual do país, com taxas de desemprego baixas, PIB em alta e inflação ainda em um dígito. O que Lula quer é deixar a bomba fiscal e do endividamento público para o próximo governo?
Galípolo já está sendo pressionado pelo PT para mudar o rumo dos juros a partir do ano que vem, quando assumir a presidência do Banco Central. O PT quer que, nas próximas reuniões do Copom, o aumento da taxa Selic seja menor do que o previsto. Na última ata, falou-se na necessidade de aumentar 2 pontos percentuais a Selic nas próximas duas reuniões. O PT quer que não passe de meio ponto ou 0,75 ponto percentual. Ou seja, Lula e o PT acreditam que serão capazes de exercer influência política sobre Galípolo e se sobrepor à decisão técnica.
Mas, se o novo presidente do BC não fizer o que eles querem, qual narrativa vão adotar? Qual explicação vão encontrar para a recusa de seu indicado em ceder aos desígnios políticos do governo federal em detrimento da análise técnica do risco de inflação crescente? Terão que inventar algo, pois não poderão chamar Galípolo de bolsonarista.
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