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Diogo Schelp

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Diplomacia

Lula diz que vai mediar conflitos internacionais. Será?

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Lula ao lado do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, durante visita ao Oriente Médio em maio de 2010 (Foto: Reuters)

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Em meio ao intenso noticiário da última semana em torno da transição de governo em Brasília, das negociações para aprovação da PEC Kamikaze II (que vem sendo chamada de PEC da Transição, para estourar mais uma vez o teto de gastos, agora em quase 200 bilhões de reais), dos protestos em frente a quartéis contra o resultado das eleições, do discurso ambiental de Lula na conferência da ONU sobre o clima no Egito e da viagem do presidente eleito para o evento em jatinho "emprestado", uma informação de bastidor passou quase despercebida, até porque não chega a surpreender, mas que merece nossa atenção. Trata-se da afirmação, feita por Lula na conferência climática em conversa reservada, em separado, com os representantes da China e dos Estados Unidos, de que, com ele na presidência, o Brasil vai voltar a mediar conflitos externo.

É digno de nota que Lula não disse isso a algum governante de país latino-americano ou mesmo a representantes de nações europeias com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU, o que já teria certo impacto. Ele tratou logo de dar esse recado aos enviados das duas nações que protagonizam a nova ordem bipolar, ou seja, que disputam o domínio global nos campos econômico, tecnológico, geopolítico e até mesmo militar. É como se um aluno de média estatura que acabou de chegar dissesse aos dois fortões da turma para não se preocupar, por que, se houver, briga, ele vai pacificar tudo no gogó.

Ou em uma conversa em torno de algumas garrafas de cerveja, que é como Lula disse que acabaria com a guerra na Ucrânia. "Teria resolvido aqui, senão na primeira cerveja, na segunda; se não desse na segunda, na terceira; se não desse na terceira, até acabarem as garrafas a gente ia fazer um acordo de paz", afirmou o então ainda pré-candidato à presidência, em março deste ano.

Foi uma declaração tão desprovida de pé na realidade quanto àquelas em que o presidente Jair Bolsonaro, no início deste ano, se vangloriou de ter evitado uma invasão russa à Ucrânia graças à sua visita a Vladimir Putin, apenas para se ver desmentido dias depois, quando efetivamente começou a guerra.

Mas voltemos a Lula. "É só uma bravata inofensiva", diriam alguns. "É só uma forma de reforçar a ideia de que a diplomacia brasileira deve primar pela busca pacífica dos conflitos. Ele não acredita de verdade nisso, no poder da conversa de mesa de bar." Será?

Ora, a gente já viu isso antes. Temos exemplos dos primeiros governos de Lula em que ele buscou ativamente o papel de mediador de conflitos — não apenas na América do Sul, nosso espaço de influência natural, mas mesmo em outros continentes e em conflitos perenes e distantes da nossa realidade.

Em 2008, por exemplo, Lula declarou ter mandado o então chanceler Celso Amorim convocar uma reunião de emergência da ONU para acabar com o conflito árabe-israelense. O motivo pelo qual o Brasil poderia resolver o problema, segundo Lula, era o fato de judeus e árabes viverem em paz e harmonia em nosso território. Apesar no nonsense da lógica lulista, houve quem levasse a sério a intenção do presidente pacificador... mas só dentro do Brasil. E é claro que nada nesse sentido foi para frente.

Mas o ápice da diplomacia ativa e altiva lulopetista que se dizia capaz de mediar conflitos foi a tentativa de resolver o impasse das negociações entre potências europeias e o Irã para conter o programa nuclear persa, que a comunidade internacional corretamente suspeitava ser para fins bélicos. Foi um humilhante tombo do cavalo diplomático no apagar das luzes do governo Lula.

Em maio de 2010, quando os Estados Unidos e a União Europeia se preparavam para impor sanções ao Irã por sua insistência em seguir com o programa de enriquecimento de urânio sem adequada fiscalização da autoridade nuclear internacional, Lula e o governo turco anunciaram a Declaração de Teerã, um acordo costurado com o Irã pelo qual o país governado então por Mahmoud Ahmadinejad se comprometia a entregar 1200 quilos de urânio enriquecido para ser guardado na Turquia, recebendo em troca uma quantidade menor do material enriquecido a 20% para uso civil.

No dia seguinte, o governo americano ligou para o chanceler brasileiro desautorizando o acordo, para suprema humilhação de Lula, com efeitos colaterais para o presidente turco Recep Erdogan, o outro fiador do acordo e que acreditou que o brasileiro estava respaldado pelos americanos. Pois assim garantira Lula a ele e aos interlocutores iranianos.

Em um artigo publicado em janeiro de 2020 em um jornal britânico, Lula e Celso Amorim escreveram que entraram nas negociações com o Irã naquele ano a pedido direto do governo de Barack Obama, dos Estados Unidos.

No entanto, em seu livro "Aposta em Teerã", de 2014, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, já falecido, explica que Amorim entendeu errado o que os americanos haviam dito em conversas reservadas e em uma carta de Obama a Lula. Com base em entrevistas com negociadores americanos em questões de não-proliferação nuclear, Lampreia diz que o governo Obama sinalizara ao Brasil que via como positivas as iniciativas de conversas com o Irã, mas que isso não significava que tinham "um mandato para substituir as grandes potências no assunto".

Ou seja, os americanos apreciavam a contribuição de Brasil e Turquia nas conversas, mas em nenhum momento disseram que esses países podiam fechar acordos por conta própria com os iranianos em nome dos Estados Unidos.

O então presidente russo Dmitri Medvedev inclusive deu o toque com antecedência a Lula, ainda em 2009, de que "o jogo já estava jogado" e que as potências ocidentais já tinham decidido impor sanções ao Irã (o que de fato ocorreu em junho e julho do ano seguinte).

Mas Lula, incentivado por seu chanceler, estava cego pela oportunidade de fazer um gesto grandioso na política externa.

Lampreia resumiu com perfeição a crença da diplomacia lulista na sua capacidade de mediar conflitos com as seguintes palavras: "O governo do presidente Lula sempre foi caracterizado por um forte desejo de protagonismo diplomático. No caso do Oriente Médio, demonstrou um excesso de voluntarismo, que se revelou gratuito e inútil. No caso do Irã, fez uma leitura por demais otimista do nosso papel internacional."

Lula nem mesmo assumiu seu terceiro mandato e já está viajando e anunciando a volta do Brasil capaz de mediar conflitos.

Preparem as pipocas para assistir ao que vem a seguir: talvez um mirabolante enredo para acabar com a guerra na Ucrânia, para espanto de americanos, chineses e europeus?

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